‘Bitcoin é a agulha que vai estourar a bolha do mercado financeiro’, destaca professora de Universidade do Vale do Silício
Anne Connely, da Singularity University, acredita que criptomoedas e o Bitcoin vão ganhar o dia a dia das populações, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil.
O temor de uma bolha no mercado de criptomoedas não assusta a professora e especialista em blockchain Anne Connely, da Singularity University do Vale do Silício (EUA), segundo entrevista dada à Época.
Segundo ela, a adoção de criptomoedas está apenas no início e a maior criptomoeda, o Bitcoin, não é uma bolha, pelo contrário: é a agulha que vai estourar a bolha do mercado financeiro:
“As pessoas gostam de descrever o bitcoin como uma bolha. Mas o bitcoin é a agulha. A agulha que vai estourar a bolha das finanças tradicionais e das moedas tradicionais. Acho que a cotação inclusive está subvalorizada, se considerados os benefícios que ela pode trazer. O mundo merece ter alternativas — e é a primeira vez na história em que as pessoas poderão escolher algo diferente de uma moeda local como instrumento financeiro. Não é uma bolha. É o começo da adoção em massa das criptomoedas.”
Segundo ela, o maior potencial de adoção de criptomoedas está entre os países com maior número de desbancarizados. Na América Latina, países com economias em crise como Argentina, Peru e Venezuela já mostram que essa é uma realidade, com forte adoção de criptomoedas para fugir do derretimento das moedas nacionais.
Segundo uma pesquisa da Statista de fevereiro de 2021, parte dos países em desenvolvimento já demonstram entre seus cidadãos uma forte adoção cripto. A Nigéria lidera a pesquisa com 32% dos entrevistados admitindo adotar criptomoedas, seguida pelo Vietnã (21%), as Filipinas (20%), a Turquia (16%) e o Peru (16%).
A pesquisa destaca que populações no Brasil, Colômbia, Argentina, México e Chile também têm adoção acima de dois dígitos de porcentagem. A especialista em blockchain explica:
“Vemos uma rápida adoção das moedas em lugares como Argentina, África do Sul e Nigéria. Pessoas que não podem confiar na economia nacional. No Afeganistão, existem algumas ONGs que ensinam mulheres a trabalhar em áreas avançadas de tecnologia e as pagam em bitcoins, porque elas não podem ter conta em bancos. Mais de 1 bilhão de pessoas no mundo são desbancarizadas, e as moedas alternativas podem incluí-las sem burocracias.”
Anne Conelly, porém, não acredita em moedas digitais de bancos central, como proposto por países como a China e a Estônia, por exemplo. Ela teme o uso de sistemas de CBDCs para governos monitorarem seus cidadãos e até bloquearem fundos dependendo do contexto político.
Para ela, as moedas vão se tornar independentes dos governos nos futuros, oferecendo menos controle político e econômico às autoridades:
“Vamos ver a desintermediação do governo no sistema financeiro e a separação entre dinheiro e Estado. Haverá um impacto relevante na dinâmica atual das finanças dos países. Os governos terão menos mecanismos de controlar suas economias, como no caso de políticas monetárias para ajustar a inflação. Por outro lado, a ascensão das criptomoedas vai oferecer uma opção às pessoas. E a concorrência forçará bancos centrais a fazerem um bom trabalho para manter as moedas locais mais fortes. Nos próximos anos, as pessoas poderão comprar leite e pão com criptomoedas. É questão de tempo.”
Ela vê o cenário de adoção de criptomoedas pagamentos avançando rapidamente, especialmente depois da entrada do Paypal no criptomercado. Recentemente, Visa e Mastercard anunciaram que vão incluir criptomoedas em seus sistemas. Para Conelly, no futuro os cidadãos vão poder escolher se pagarão suas contas na moeda local ou em qualquer outra criptomoeda.
Sobre a iniciativa da criptomoeda do Facebook, antes chamada de Libra e agora Diem, ela diz que há aspectos positivos e negativos:
“No lado positivo, o Facebook é a única janela que conecta populações de países com infraestrutura precária com o resto do mundo e pode ajudar a bancarizar essas pessoas. O lado negativo é que, com o projeto de uma moeda própria, o Facebook teria registros das movimentações financeiras de bilhões de pessoas. A empresa diz que o projeto é hoje um esforço colaborativo, mas claramente o Facebook é uma força importante por trás. Outro risco é o do bloqueio de acesso a contas, que pode acontecer por qualquer razão e que pode também bloquear o acesso das pessoas a suas carteiras.”
Ela também acredita que os bancos terão mudar “radicalmente” para manter a relevância:
“É um setor que já vem sofrendo uma ruptura por novos concorrentes nativos digitais. Clientes mais jovens não querem ir a uma agência bancária. Ao mesmo tempo, com o avanço das criptomoedas, também surge um setor de finanças descentralizadas. As pessoas começam a fazer nesse universo o que fazem no sistema tradicional, como receber juros em aplicações financeiras. Os bancos serão os primeiros a sofrer se não embarcarem rapidamente nessas transformações.”
Finalmente, ela diz que as organizações autônomas descentralizadas, as DAOs, baseadas em blockchain, podem transformar a sociedade e até plataformas hoje consideradas inovadoras, como Uber e AirBnb:
“Uma rede em blockchain que conecta motoristas e usuários, sem a cobrança de uma taxa pela corporação no meio, pode ser benéfica para motoristas e clientes. O mesmo vale para o Airbnb e para qualquer transação que você possa imaginar, com um intermediário no meio para dar segurança ao sistema. Eventualmente, isso pode acontecer inclusive com o controle de identidade, que hoje tem o governo no centro. Um registro com base em blockchain poderia dar mais controle para as pessoas. Menos intermediários, em muitos casos, significa menos oportunidade para fraude ou corrupção.”
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