Bitcoin em El Salvador pode tirar R$ 2 bilhões de instituições financeiras
Em 2020, o dinheiro enviado pelos 2,5 milhões de salvadorenhos que vivem fora do país aos seus conterrâneos movimentou aproximadamente R$ 31 bilhões e foi responsável por 23% do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador. No entanto, R$ 2 bilhões acabaram indo parar nas contas das instituições financeiras que intermediam essas remessas – e o bitcoin pode colocar essa fonte de receita em risco.
Os dados, divulgados pela CNBC, são contestados pelo Banco Mundial, que diz que o valor recebido pelas instituições financeiras seria de “apenas” R$ 900 milhões.
Independente do valor, o fato é que depois da implantação da “Lei Bitcoin” em 7 de setembro, que oficializou a criptomoeda como moeda de curso legal no país, os salvadorenhos terão a opção de evitar as instituições financeiras tradicionais e fazer remessas internacionais via blockchain. Assim, poderão utilizar o dinheiro que seria perdido com o pagamento das taxas para poupar ou movimentar o mercado interno.
Outra economia será a de tempo. Normalmente, remessas do exterior através de empresas como a Western Union, por exemplo, levam pelo menos três dias para serem compensadas. Com o bitcoin, a transação é realizada em poucos minutos. Além disso, não haverá mais a necessidade de preencher os requisitos burocráticos nem de realizar os saques presencialmente, como acontecia até o mês passado.
Em declaração à CNBC, o salvadorenho radicado no Canadá Jaime García conta que sempre considerou inconveniente que seus pais tivessem que se apresentar ao escritório da empresa para fazer os saques: “Eles têm que pegar um ônibus e ir a um local físico para buscar o dinheiro. E há gangues que rondam esses escritórios, pois eles sabem o que as pessoas vão fazer lá e, basicamente, os roubam.”
Segundo Garcia, o envio de US$ 100, ou aproximadamente R$ 520, é taxado em 12,5%. Ou seja, apenas R$ 455 serão sacados pelo destinatário e R$ 65 serão usados para o pagamento das taxas.
O dinheiro retido pelas instituições financeiras que oferecem o serviço de remessas internacionais foi uma das justificativas do presidente Nayib Bukele para defender a aprovação da “Lei Bitcoin”.
Matt Hougan, diretor de investimentos da Bitwise Asset Management, declarou que o já desgastado meme que afirma “o bitcoin conserta isso” é totalmente válido neste caso. E acrescentou: “As remessas são uma área em que o sistema financeiro tradicional é terrível, pois cobra taxas extraordinariamente altas de populações que não podem pagar por elas”.
Como parte da solução ao problema, o governo lançou a “Chivo”, a carteira digital oficial do país. Embora tenham havido diversos relatos de mau funcionamento quando o bitcoin se tornou moeda corrente no país, pagamentos e transferências através da carteira são isentos de taxas de transação. A “Chivo” também permite tanto o recebimento quanto o envio de remessas internacionais quase instantaneamente.
Hougan entende que a adoção não vai acontecer de forma imediata, “do dia para a noite”, e acredita que haverá resistência por parte da população local, mas ele acredita que as vantagens acabarão sobressaindo: “100% das remessas não serão feitas através do aplicativo Chivo amanhã. Essas coisas levam tempo e as pessoas naturalmente se preocupam em tentar coisas novas com dinheiro. Mas os atuais níveis de taxas cobradas pelas remessas vão se provar insustentáveis”.
Segundo dados oficiais do governo, 60% das remessas são feitas via institiuições especializadas neste tipo de serviço, como a Western Union, e o restante é feito através de bancos.
As taxas variam, mas, em geral, quanto mais baixo o valor da transferência, maiores as taxas. Uma transação de US$ 10 (R$ 52), por exemplo, é taxada em 33% na Western Union, e o destinatário acaba recebendo menos de R$ 35,00.
Considerando que 70% dos habitantes de El Salvador recebem remessas internacionais no mínimo uma vez por ano, é possível que o bitcoin ganhe aderência entre a população. Entre os incentivos diretos para estimular a população a aderir à criptomoeda, Bukele prometeu que todos aqueles que registrassem a “Chivo” para uso automaticamente receberiam US$ 30 (R$ 156) em bitcoin.
Mesmo aqueles que optarem por não ter a própria carteira digital poderão se beneficiar da isenção de taxas. Basta ir a um caixa eletrônico para fazer o saque em dólares americanos, que até antes de 7 de setembro era a moeda única do país.
O governo estima uma economia de R$ 2 bilhões por ano se a população aderir em massa ao uso da Chivo para movimentar o ativo digital.
Já Mario Gomez Lozada, que trabalhou nos bancos Merrill Lynch e no Credit Suisse e agora dirige uma exchange de derivativos de criptomoedas, é mais otimista e acredita que a economia poderá ficar próxima a R$ 5,2 bilhões (US$ 1 bilhão).
Ele vislumbra uma adoção gradual, porém constante, até o ponto em que o bitcoin fará parte do cotidiano das pessoas: “Meu palpite é que a maioria das pessoas inicialmente converterá o bitcoin em dólares norte americanos, pois é assim que estão acostumadas, mas devemos ver uma adoção gradual do bitcoin como principal meio de transação e de referência de preços. Vejo um futuro em que itens de consumo como leite e pão serão cotados diretamente em bitcoin e as pessoas podem até começar a poupar bitcoins.”
Na prática, os primeiros momentos do bitcoin como moeda de curso legal de El Salvador foram controversos. Conforme relatou o Cointelegraph, a “Chivo” apresentou problemas operacionais por conta de sobrecarga em seus servidores e precisou ser desativada por um tempo antes de entrar plenamente em funcionamento.
Depois que o presidente Bukele fez o anúncio da compra de 200 BTC, a criptomoeda sofreu um colapso repentino, caindo de R$ 274 mil para menos de R$ 227 mil em poucas horas. Bukele afirmou ter “comprado a queda”, mas parte da população e políticos da oposição manifestaram preocupação diante da volatilidade da moeda e dos riscos econômicos inerentes à sua imprevisível variação cambial.
Manifestações contrárias à adoção do Bitcoin como moeda oficial já vinham acontecendo há algum tempo se repetiram em 7 de setembro, dessa vez em frente à suprema corte do país. De acordo com uma pesquisa divulgada em uma reportagem do Cointelegraph antes da entrada da lei em vigor, 70% da poupulação se dizia contrária a adoção do Bitcoin como moeda de curso legal no país.
Na comunidade internacional, tanto parte da indústria de criptomoedas quanto os céticos enxergam com reservas a primeira experiência do bitcoin como moeda oficial de uma nação soberana.
Entre os entusiastas da criptomoeda, El Salvador não é tido como o país perfeito para ter se tornado o pioneiro de um movimento tão aguardado. A “Lei Bitcoin” foi aprovada mesmo sem contar com apoio da maior parte da população e o presidente Bukele sofre acusações de tê-la imposto como um autocrata.
A aposta do presidente salvadorenho no bitcoin é um tanto assimétrica. Caso tenha sucesso e o país alcance o grau de soberania desejado por tantos outros países latinoamericanos, El Salvador pode tornar-se uma inspiração para países como Brasil, Argentina e Venezuela, cuja população padece de restrições econômicas e financeiras por causa de suas moedas fracas e de políticas monetárias permissivas. Se der errado, terá levado de roldão sonhos que vão muito além das fronteiras da pequena nação “criptoamericana”.
por Cointelegraph Brasil
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