Segregação patrimonial pode colocar Banco Central e Binance em lados opostos na regulamentação das criptomoedas no Brasil
Separação do patrimônio dos usuários das plataformas foi excluída do texto final do projeto aprovado, mas há expectativa de que o BC implante o instrumento.
O Banco Central do Brasil assumiu oficialmente as rédeas do Marco Legal das Criptomoedas no país nesta terça-feira (20), quando entrou em vigou o decreto 11.563 assinado no último dia 13 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque o texto final aprovado pela Câmara dos Deputados no final do ano passado é de natureza principiológica, o que deixará a cargo da autoridade monetária a definição da maioria das regras do jogo do setor.
Por outro lado, o Banco Central, com as competências reservadas no decreto da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e da prevenção e repressão à lavagem de dinheiro e outros crimes previsto em lei, deverá transitar em uma área de conflito entre os diversos atores que compõem o mercado cripto nacional. Entre elas a segregação patrimonial, defendida pelas exchanges estabelecidas no Brasil, e combatida pelas estrangeiras, que se mostraram contra a medida durante a tramitação do projeto, entre elas a Binance.
O dispositivo, que prevê a separação dos criptoativos dos usuários e das plataformas, foi objeto de extensos debates ao longo de praticamente toda a tramitação do PL 4401/21, que deu origem ao Marco Regulatório, e ganhou força ainda mais força em novembro do ano passado, na ocasião da falência da exchange de criptomoedas FTX, que acabou usando fundos de clientes e obrigou muitos a figurarem na lista de credores em processos judiciais.
A segregação patrimonial chegou a ser inserida no texto aprovado pelo Senado, mas acabou sendo retirada pela Casa Legislativa proponente do projeto, a Câmara dos Deputados.
Por outro lado, ainda antes de se sancionado o projeto, o Banco Central já sinalizava que poderia impor a segregação patrimonial, já que a autoridade monetária JÁ estava cotada para ser o regulador do mercado de criptomoedas no país, a depender da escolha do poder Executivo, que acabou se confirmando.
Na esteira da aprovação do projeto, a retirada da segregação patrimonial facilitou a tramitação do projeto e, de certa forma, adiou o debate, ou embate, envolvendo a segregação patrimonial, caso o BC decida impor esta obrigadoriedade por meio da edição de uma norma infralegal.
Na avaliação do COO da empresa Blockchain One, pesquisador associado do Idesco e Icolab Brasil, e head de governança da Urbe S/A, Alan Kardec, “ainda não é possível mensurar o tamanho dessa arquitetura econômica e política em torno do tema, que agora ganha notoriedade e atenção merecida.”
“Acredito que os próximos passos sejam em direção às tratativas com o mercado e a sociedade, uma vez que os consumidores também estarão neste cenário. Tratativas que possam elucidar maiores garantias aos detentores de ativos digitais. E por consequência os ajustes necessários para evolução do marco legal das criptomoedas”, completa.
O sinal verde para o BC pode ainda não ser suficiente para a implantação da segregação patrimonial. Pelo menos essa é a leitura feita pelo advogado Rodrigo Borges, sócio do Carvalho Borges Araujo Advogados, em entrevista ao Infomoney.
Segundo ele, o Legislativo optou por deixar a segregação patrimonial de fora do texto final do projeto, o que pode servir de munição contra uma eventual norma do BC impondo a separação das criptomoedas dos clientes por parte das plataformas.
O que não impede as exchanges de usarem a segregação patrimonial como uma espécie de atrativo a novos usuários, como a Bitso, que implantou recentemente um relatório demonstrativo de segregação patrimonial, já praticada pela exchange, conforme noticiou o Cointelegraph Brasil.