As promessas da Unick Forex, alvo da CVM que deixou clientes na mão

Dobre seu capital em seis meses ou garanta um retorno de até 3% ao dia. Com tal promessa, uma empresa criada na pequena cidade gaúcha de Novo Hamburgo atraiu clientes sedentos por dinheiro fácil. Mas o que parecia tentador logo virou uma dor de cabeça. A Unick Forex – que acaba de mudar o nome para Unick Academy – deixou na mão parte de seus mais de 1 milhão de clientes ao suspender os resgates e informar que passaria a limitar os pagamentos.

Em operação desde 2013, a empresa passou a chamar atenção a partir de 2017, ao disponibilizar “produtos exclusivos sobre o mercado financeiro e criptomoedas” com cashback (devolução de parte do valor investido). A companhia dizia fornecer cursos, relatórios e palestras sobre investimentos como renda variável, forex (câmbio de moedas) e moedas virtuais. Para isso, vendia pacotes entre 99 reais e estratosféricos 297 mil reais, prometendo um retorno médio de 33% sobre o valor pago por seis meses, até dobrar o capital. 

Mas o que atraiu muita gente foi um sistema de pontuação que aumenta os ganhos de cada cliente. Um deles daria participação nos lucros das operações feitas pela empresa em day trading (compra e venda de ações no curtíssimo prazo) e o comissionamento sobre a venda de produtos. A Unick também prometia ganhos de 10% sobre planos escolhidos por pessoas indicadas. Quanto mais gente um cliente consegue atrair para dentro do esquema, maiores seus ganhos – sistema designado pela empresa como marketing multinível.

No “plano de carreira” da empresa, o cliente ganha os chamados “mimos” pelo esforço na venda de produtos, que seria o material informativo. O sistema chamado “Unick Diário” prometia uma rentabilidade de 1,5% a 3% ao dia em juros ou então, dobrar seu capital em apenas 6 meses – um rendimento extraordinário até para os ativos mais arriscados na renda variável. Nem mesmo o maior investidor de todos os tempos, o americano Warren Buffett, alcançou este feito, com uma rentabilidade média de 31% ao ano durante 43 anos.

Mira da CVM e pagamentos suspensos

A Unick Forex afirmava se responsabilizar por todos os investimentos que geravam retorno aos clientes, embora não tivesse autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para este tipo de operação. O “xerife” do mercado de capitais no Brasil já emitiu 3 alertas sobre as atividades suspeitas da empresa e chegou a proibi-la de operar, emitindo um ato declaratório. Em fevereiro, o escritório da Unick em Novo Hamburgo foi fechado pela Polícia Civil, que investigava denúncias de irregularidades.

O próprio nome Forex, que remete a operações de trocas de moedas no mercado de câmbio, por si só é irregular, como alertou a CVM. “Considerando que até o presente momento não há qualquer oferta relacionada ao mercado Forex registrada na CVM, ou corretora autorizada pela autarquia a atuar nesse mercado, qualquer oferta feita no Brasil é ilegal. Isso inclui, mas não se limita, ofertas feitas por instituições estrangeiras por meio da internet”.

Em abril, a CVM publicou o terceiro alerta de atividade irregular envolvendo a Unick Forex, no qual a Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) reforçou a “atuação irregular” e destacou que encaminhou o caso ao Ministério Público Federal, para investigar a empresa. A empresa tem escritórios em Londres e Belize, um país na América Central, onde fica sua sede fiscal. O país é conhecido como paraíso fiscal para empresas que sonegam imposto. 

De investimentos a perfumaria

Os problemas da Unick Forex ficaram mais evidentes há cerca de dois meses, quando começou a ter problemas para pagar os clientes. A empresa que já acumula 5,1 mil queixas no site Reclame Aqui e só se comunica oficialmente pelas redes sociais, tirou seu site do ar no começo de agosto, alegando a necessidade de atualizar seus sistemas, e prometeu retomar no dia 14. Mas o site voltou a funcionar somente no dia 16 e com novas regras de saque. Segundo a empresa, foi iniciada uma auditoria interna em 2 de agosto que justificou as mudanças.

Diante de tantos problemas, a empresa chegou a cancelar uma conferência que realizaria no Transamerica Expo Center, em São Paulo, no dia 24 de agosto, justificando atualizações em seus sistema. A empresa informou que trabalhava para devolver o dinheiro dos ingressos já pagos.

Após tantos problemas, a empresa mudou de cara. Os porta-vozes da Unick, agora Academy, passaram a dizer que a empresa lançaria uma nova plataforma, parte de uma “repaginação” de seus serviços, passando a trabalhar com várias modalidades de produtos – de seguros e consórcios, perfumaria e cosmética.

Em um vídeo no Youtube, o diretor de marketing da companhia, Danter Silva, explica que a empresa está trabalhando para resolver os problemas na plataforma e responde a algumas reclamações de clientes que não foram pagos. A uma das clientes que pediu seu dinheiro de volta, ele afirmou que a empresa nunca foi voltada para investimentos.

“Lamento, mas te explicaram nosso projeto de maneira completamente errada. Você não tem um investimento conosco, você adquiriu um produto sobre mercado financeiro”, respondeu Silva.

Procurada por EXAME pelos canais disponíveis pela internet, a empresa não retornou ao pedido para se posicionar.

Ofertas irregulares de investimentos disparam 

Ofertas de retorno garantido em investimentos nem sempre claros vêm se multiplicando e chamando atenção pela quantidade de adeptos. Empresas que oferecem tais oportunidades estão na mira da CVM há tempos, mas o trabalho vem aumentando.

No acumulado de 2019, a autarquia já suspendeu ao menos 12 ofertas irregulares de investimentos feitas sem autorização do órgão, muitas delas suspeitas de pirâmides financeiras. A quantidade supera os alertas de todos os anos anteriores desde o início da série, em 2005, segundo apurou EXAME.

A oferta de rendimentos extraordinários se multiplicou após a popularização das criptomoedas. Apesar disso, irregularidades envolvendo tais empresas não são nenhuma novidade. Dos casos mais antigos aos mais recentes, como Telexfree e JJ Investimentos, a premissa é sempre a mesma: pirâmides travestidas de marketing multinível.

Neste última, os vendedores são pagos pela venda de produtos, enquanto na pirâmide, esta sim ilegal, há promessas de retornos rápidos e fora da curva para produtos baratos ou serviços sem muita utilidade.

Em regra, os adeptos não distinguem a diferença. “A empresa que pratica multinível sério ela vende um produto de verdade, ao contrários das que vendem apenas uma ideia, só ficção”, diz o advogado especialista em direito penal empresarial, Jair Jaloreto.

Quando uma empresa deixa de cumprir o que foi acordado junto aos clientes, no mínimo, é um indício de que não está bem administrada, em sua visão. Continuar atuando após avisos de possíveis irregularidades pela CVM é um sinal de alerta. “O fato de operar sem autorização do órgão competente, por si só, já é uma irregularidade”, explica, acrescentando que não há milagre. “É um jogo de rouba monte no qual para um ganhar outro tem que perder”, explica. 

Para o consultor financeiro Jurandir Macedo, toda vez que se quebra uma regra básica do mundo dos investimentos, na qual o risco se iguala aos retornos, é motivo para atenção. “Se o retorno é muito elevado, desconfie”, diz. A receita é a mesma para todos os casos, mas eles continuam se repetindo. 

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