Aplicação do Código Tributário aos Criptoativos
Primeiramente, vale ressaltar que qualquer inovação acontece antes de possíveis e eventuais regulações sobre novo fato jurídico. No entanto, à medida que esse fato jurídico ganha maior notoriedade, pressupõe-se que regras sejam estabelecidas, para que se garanta a segurança jurídica nas futuras relações desse fato jurídico, neste exato momento, é o que acontece com os criptoativos, como o Bitcoin, tendo o estado se pronunciado diversas vezes a respeito dele, isso nos mostrando o quão grande está sendo seu reconhecimento.
É necessário lembrar que devido ao princípio da legalidade tributária elencado pelo princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II da Constituição da República[1], e de forma específica em matéria tributária, encontrando-se no art. 150, I in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
Diante disso, o Estado não pode exigir, e nem aumentar tributo sem respaldo legal. No que diz respeito às operações com bitcoin, não pode o Estado criar hipóteses de incidência não previstas na lei tributária. Por outro lado, sobre o mesmo princípio da legalidade tributária, pode o Estado cobrar tributo em operações relacionadas ao bitcoin que esteja prevista em lei como hipótese de incidência.
Atualmente, o Bitcoin e outros ativos criptográficos, foram definidos pela Secretária da Receita Federal do Brasil (RFB), na Instrução Normativa RFB N° 1888, em seu artigo 5°, inciso I, como sendo:
Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
I – Criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal; e[2]
A Receita Federal (RFB), também definiu o que seriam as exchanges, pois em sua maioria as transações são feitas a partir dessas instituições, essa definição é feita pelo artigo 5°, inciso II, in verbis:
Art. 5º Para fins do disposto nesta Instrução Normativa, considera-se:
II – Exchange de criptoativo: a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.[3]
Essas definições têm como objetivo sanar qualquer dúvida a respeito da classificação do Bitcoin e outros ativos criptográficos. Atualmente, a receita federal já tornou obrigatória a prestação de informações sobre as transações envolvendo criptoativos na declaração de imposto de renda, sendo para fins de declaração de imposto de renda, o Bitcoin, apenas para esse fim, equipara-se não a uma moeda estrangeira, mas a um ativo financeiro, um bem jurídico com valor de mercado, assim como antiguidades ou obras de arte, nos termos do artigo 25, § 1°, inciso II, da Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995.
Como dito anteriormente, o fato acontece antes da regulação do Estado, e no caso dos criptoativos, tivemos um primeiro contato a respeito da tributação por parte da Secretária da Receita Federal do Brasil (RFB), em 2016, na publicação já atualizada em 2019 sobre o “Imposto sobre a Renda – Pessoa Física: Perguntas e Respostas. Exercício de 2019. A Secretaria da Receita Federal do Brasil dá para a pergunta “As moedas virtuais devem ser declaradas?” a seguinte resposta:
Sim. As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição. Atenção: Como esse tipo de “moeda” não possui cotação oficial, uma vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. Entretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação.[4]
Na mesma publicação, é feita ainda a seguinte pergunta: “Os ganhos obtidos com a alienação de moedas “virtuais” são tributados?”, segue a resposta:
Os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, segundo alíquotas progressivas estabelecidas em função do lucro, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação. O contribuinte deverá guardar documentação que comprove a autenticidade das operações.[5]
Portanto, qualquer aferição de ganho com a alienação cujo total alienado no mês seja superior a R$35.000,00, será tributado, conforme alíquota apresentada abaixo.
“- Quais as alíquotas aplicáveis para efeito de apuração do ganho de capital? -”, resposta:
A partir de 1º de janeiro de 2017, as operações de alienação de bens e direitos de qualquer natureza passíveis de apuração de ganho de capital sujeitam-se às seguintes alíquotas:
I – 15% sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00;
II – 17,5% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 e não ultrapassar R$ 10.000.000,00;
III – 20% sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 e não ultrapassar R$ 30.000.000,00; e
IV – 22,5% sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00.
Na hipótese de alienação em partes do mesmo bem ou direito, a partir da segunda operação, desde que realizada até o final do ano-calendário seguinte ao da primeira operação, o ganho de capital deve ser somado aos ganhos auferidos nas operações anteriores, para fins de definição da alíquota aplicável, deduzindo-se o montante do imposto pago nas operações anteriores.[6]
Dessa forma, não restam dúvidas de que a pessoa que detém qualquer criptoativo em sua pose não será tributada apenas em razão da mera valorização desse ativo, pois, apenas a valorização do ativo não é fato gerador para incidência de tributo, e sim a alienação dele, quando ultrapassar os R$35.000,00, não sendo então tributada a propriedade do ativo quando o mesmo valorizar, mas, ainda que não tributado deverá ser declarada, anualmente, no Imposto de Renda da Pessoa Física se o valor total ultrapassar o valor mínimo definido na Lei nº 9.250/1995, não importando se a propriedade adveio de contrato de compra ou de emissão originária (mineração, no caso do Bitcoin).
No entanto, também é obrigatória a prestação de informações a respeito de movimentações de criptoativos, quando o valor exceder R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Conforme dispõe o artigo 6°, da Instrução Normativa RFB N° 1888, in verbis:
Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:
I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;
II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:
- a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou
- b) as operações não forem realizadas em exchange.
- 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).
- 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:
I – compra e venda;
II – Permuta;
III – doação;
IV – Transferência de criptoativo para a exchange;
V – Retirada de criptoativo da exchange;
VI – Cessão temporária (aluguel);
VII – dação em pagamento;
VIII – emissão; e
IX – Outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.[7]
Em relação ao artigo 6°, é necessário no atentarmos especificamente no parágrafo 1° que diz: “no caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Em razão disso, tem se a obrigatoriedade de prestar informações no caso de qualquer movimentação de criptoativos acima de R$30.000,00(trinta mil reais), e ainda por ter uma definição tão incerta no inciso IX desse mesmo artigo, na parte que dispõe sobre “outras operações que impliquem em transferência de criptoativos”, podendo assim abranger qualquer tipo de movimentação de criptoativos.
Por outro lado, temos a possibilidade de incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), prevista no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, sendo regulamentado pela Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Para entendermos como esse tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal se aplica, precisamos entender qual seu fato gerador.
O fato gerador do tributo é a ocorrência, em si, que traz à tona a exigência do respectivo ônus para o contribuinte. A lei descreve situações que, ao ocorrerem na vida real, fazem com que se fixe o momento do nascimento da obrigação tributária, e no caso do ICMS, o fato gerador está disposto no artigo 155, inciso II, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
II – Operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;[1]
Dessa forma, se ocorrer uma aquisição de bem, como mercadoria, por meio de criptoativos estará caracterizado o fato gerador, surgindo à possibilidade de incidência do ICMS, previsto na Lei Complementar n° 87, no artigo 2°, parágrafo 2°:
Art. 2° O imposto incide sobre:
- 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.[9]
Lembrando que o pagamento do imposto por parte de quem alienou o bem deverá ser feito em moeda corrente, de acordo com artigo 162, inciso, do Código Tributário Nacional, que dispõe:
Art. 162. O pagamento é efetuado:
I – Em moeda corrente, cheque ou vale postal;[10]
No entanto, não ocorrerá incidência de ICMS nos casos de compra e venda de criptoativos entre particulares, como no caso de um indivíduo que compra Bitcoin de outro, pagando em reais, por meio de uma corretora (Exchange). Nesta hipótese, há ausência de caráter mercantil, não ocorrendo o fato gerador. O imposto devido neste caso, como visto, é o Imposto de Renda da Pessoa Física, caso ocorra ganho de capital acima do limite de isenção decorrente da alienação, conforme explicado anteriormente. Vale ressaltar que a aquisição de criptoativos com moeda corrente, como uma compra de Bitcoin com reais em uma corretora (Exchange), é classificada como contrato de compra e venda de acordo com o disposto no citado artigo 481 do Código Civil:
Art. 481. Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.[11]
Por fim, ainda que a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) esteja aplicando a legislação previamente existente, a cada ano que se passa estão trabalhando em meios de aprimorar a tributação relacionada aos meios virtuais.
Referencias:
[11]BRASIL. Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 30 de Jul. 2019.
[10]BRASIL. Lei Complementar n° 87, de 13 de setembro de 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp87.htm>. Acesso em: 30 de jul. 2019.
[9]BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/496301/000958177.pdf?sequence=1>. Acesso em 29 de jul. 2019.
[8]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 de jul. 2019.
[7]RECEITA FEDERAL. INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1888. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[6]RECEITA FEDERAL. Perguntas e Respostas. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/interface/cidadao/irpf/2019/perguntao/perguntas-e-respostas-irpf-2019.pdf>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[5]RECEITA FEDERAL. Perguntas e Respostas. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/interface/cidadao/irpf/2019/perguntao/perguntas-e-respostas-irpf-2019.pdf>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[4]RECEITA FEDERAL. Perguntas e Respostas. Disponível em: <http://receita.economia.gov.br/interface/cidadao/irpf/2019/perguntao/perguntas-e-respostas-irpf-2019.pdf>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[3]RECEITA FEDERAL. INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1888. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[2]RECEITA FEDERAL. INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB Nº 1888. Disponível em: <http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?visao=anotado&idAto=100592>. Acesso em: 29 de jul. 2019.
[1]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 30 de jul. 2019.
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