Caso Alameda/FTX: um resumo dos principais pontos
De temores de insolvência até alfinetadas entre bilionários, a história parece ter chegado atingido seu desfecho em um acordo entre Changpeng Zhao e Sam Bankman-Fried
Na última quarta-feira (3), o CoinDesk obteve acesso aos resultados do segundo trimestre da Alameda Research. Apesar do patrimônio da empresa ser de US$ 14,6 bilhões, os números preocupam os investidores do mercado cripto. O motivo é: mais de 33% do patrimônio é composto de FTX Token (FTT), token emitido pela exchange ligada à Alameda.
Além disso, o passivo da Alameda é de US$ 8 bilhões, dos quais US$ 7,4 bilhões são empréstimos. O temor dos investidores está ligado ao fato de que, caso o preço do FTT colapse, é possível que a empresa não tenha como arcar com seus empréstimos, causando uma liquidação massiva. Há ainda uma preocupação maior em razão da entidade que fez o empréstimo à Alameda ser desconhecida.
O problema do balanço
A Alameda Research é uma companhia de trading de criptomoedas fundada por Sam Bankman-Fried (SBF), da qual Caroline Ellison é CEO. Tanto a empresa quanto a exchange FTX estavam em alta durante o ‘efeito dominó’ que atingiu o mercado cripto com o colapso da Celsius. SBF disse, em setembro deste ano, que a FTX possuía US$ 1 bilhão para resgatar empresas com problemas de solvência.
Por isso, investidores e entusiastas foram pegos de surpresa pela descoberta de que parte do patrimônio da Alameda Research é de um token facilmente emitido pela FTX. A presença do token é problemática por ser um ativo volátil, em um mercado de baixa, que compõe a maior parte do matrimônio.
Além de FTT, a Alameda tem em seu patrimônio:
- US$ 1,2 bilhão em Solana (SOL);
- US$ 3,37 bilhões em criptomoedas não-identificadas;
- US$ 2 bilhões investidos em valores mobiliários;
- US$ 2,2 bilhões em ativos não nomeados.
Ainda segundo o balanço tornado público, em junho de 2022, a Alameda possuía somente US$ 134 milhões em dinheiro dentro de seus cofres.
“O risco é alto, levando em consideração que o SBF está nas duas pontas da negociação, e também pelo fato de que mais de 90% dos tokens FTT estão concentrados em apenas dez carteiras”, avalia João Kamradt, Head de Research e Investments da Viden. As funções do FTT são reduzir as taxas de negociação da FTX e aumentar os bônus obtidos ao indicar novos usuários.
Kamradt aponta que o volume de negociação de FTT é baixo, além do interesse para aquisição do criptoativo ser baixo. “Ou seja, a Alameda hoje possui um terço de seu patrimônio composto por um ativo que possui pouca demanda do mercado, e que é artificialmente inflado pela própria FTX.”
Preço inflado e semelhanças com a Celsius
O preço “artificialmente inflado” mencionado pelo porta-voz da Viden foi abordado em uma publicação do dia 4 de novembro, feita pelo coletivo Dirty Bubble Media. Tudo começa pela emissão de um token e a retenção de boa parte do seu suprimento. O Dirty Bubble Media aponta, então, que o próximo passo é a compra massiva dos tokens disponibilizados ao mercado, com o intuito de inflar seu preço.
Nesse processo, porém, o preço do token não é a única coisa sendo inflada artificialmente. Já que a empresa reteve boa parte do suprimento, seu patrimônio também cresce. Na publicação, o Dirty Bubble Media explica que isso é usado para atrair investimentos de fundos, fazendo com que a empresa converta o valor artificial em dinheiro de verdade. Esse dinheiro, por sua vez, é usado para comprar mais tokens e aumentar mais o preço do token.
Imagem: Dirty Bubble Media
A publicação do Dirty Bubble Media acusa tanto a FTX quanto a Alameda Research de praticarem o mesmo que a Celsius fez com seu token CEL. Outro ponto usado pelo coletivo para defender a artificialidade do preço do FTT é o número de carteiras ativas. Na imagem abaixo, é feita uma comparação entre as carteiras ativas de FTT e de LINK, criptomoeda nativa da Chainlink, que possui valor de mercado parecido com o FTX Token.
Imagem: Endereços ativos de FTT e LINK/Dirty Bubble Media
Aí entra o cerne da preocupação dos investidores: se o preço do FTT está muito acima do seu ‘preço real’, o patrimônio da Alameda Research pode encolher significativamente no caso de uma correção. Kamradt,da Viden, reforça que “os documentos vazados não apresentam boas perspectivas” para a Alameda Research.
“Além da reserva em FTT, a Alameda possui diversas outras reservas em tokens associados ao SBF no balanço, como o SRM, MAPS, OXY, FIDA. Aparentemente, são várias centenas de dólares de valor nesses tokens. Hoje, a Alameda não teria como liquidar nenhuma das suas posições desses tokens listados acima, o que torna a situação bem complicada. Me parece existir inúmeras semelhanças com o caso da Alameda com o da Celsius. Logo, o risco seria de falência.”
Há risco para a FTX?
Ainda que a Alameda Research esteja muito exposta ao FTT, é importante entender como isso prejudica, ou não, a FTX. João Kamradt afirma que ainda é necessário entender melhor qual é a relação entre as duas empresas.
No domingo (6), enquanto as reservas de stablecoins da FTX minguavam para pouco mais de US$ 50 milhões, após uma queda de 93% de suprimento, a Alameda forneceu mais stablecoins para que a exchange não perdesse a liquidez. As informações foram publicadas no Twitter pelo CEO da CryptoQuant, Ki Young Ju, e pelo analista de dados identificado como “The Data Nerd”.
É possível dizer, no mínimo, que é do interesse da Alameda que a FTX continue funcionando. Não é possível dizer, no entanto, que a FTX não tenha outros ativos fora da blockchain (off-chain) que possam ser usados em caso de emergência.
Larry Cermak, vice-presidente de Research do The Block, disse através de seu perfil no Twitter que “o risco de insolvência da FTX é próximo de zero”. Ele ressalta, contudo, que em casos onde uma plataforma de criptomoedas é testada pelo mercado, é sempre aconselhável tomar cuidado, “mesmo que a chance de algo ruim seja muito baixa”.
Reação do mercado
Cermak publicou uma planilha com dados das carteiras da FTX. O usuário do Twitter chamado “1chioku”, com base nesses dados, criou um gráfico no Dune Analytics chamado “Sweet Home Alabama”.
Nas últimas 24 horas, foram sacados US$ 450,5 milhões da FTX. Nos últimos sete dias, o montante de saques é de US$ 925 milhões. Aparentemente, investidores levaram a sério o conselho do vice-presidente de research do The Block sobre tomar cuidado.
Imagem: Sweet Home Alabama/Dune Analytics
Os saques massivos, no entanto, não tiraram a FTX de funcionamento. No contexto atual, essa pode ser considerada uma boa notícia.
João Kamradt, da Viden, acredita que existem razões para que investidores fiquem apreensivos. “Analisando os ativos da Alameda, como dito anteriormente, há a possibilidade de default [liquidação dos valores dados em garantia pelo empréstimo], embora não tenhamos todas as informações vigentes do que está ocorrendo com a Alameda e a FTX.”
O que diz a Alameda?
Caroline Ellison, CEO da Alameda Research, se manifestou no domingo por meio de sua conta no Twitter. Aos seus 38 mil seguidores, Caroline afirma que o balanço veiculado pelo CoinDesk deixou de fora mais de US$ 10 bilhões em ativos. Ela completa dizendo que os criptoativos listados são posições de longo prazo da empresa, e que existem coberturas para essas posições.
Quanto aos US$ 7,4 bilhões em empréstimos, a executiva da Alameda diz que entre o fim de junho e o início de novembro, a maior parte desse valor já foi paga.
Sam Bankman-Fried também se posicionou através da rede social. Para entender melhor seu posicionamento, porém, é necessário entender a reação da Binance.
Conflito de bilionários
Changpeng Zhao (CZ), CEO da Binance, usou seu Twitter na tarde de domingo para informar que a Binance liquidará todo o seu saldo de tokens FTT. Em 2021, a Binance recebeu cerca de US$ 2,1 bilhões em BUSD e FTT como pagamento pela saída da posição de sócia da FTX.
O executivo da maior exchange do mundo em volume negociado explica que o balanço publicado pelo CoinDesk motivou a venda. CZ esclarece, contudo, que não se trata de um ataque à exchange concorrente. A intenção era guardar FTT para o longo prazo, mas o prejuízo gerado pelo colapso do token LUNA, do ecossistema Terra, fez com que a Binance ficasse mais atenta à sua gestão de risco.
A primeira a se posicionar foi Caroline Ellison, da Alameda Research. Ela ofereceu ao CEO da Binance a opção de minimizar o impacto das vendas, dizendo que compraria todos os tokens FTT por US$ 22 cada.
Foi então a vez de SBF se posicionar. O CEO da FTX disse que respeita todos que contribuíram para tornar a indústria de criptomoedas como ela é atualmente, “mesmo que não seja recíproco, e mesmo que não usem os mesmos métodos”. Ele menciona diretamente o executivo da Binance ao dizer “até mesmo o CZ”.
A tréplica de CZ veio pouco tempo depois, em tom ácido e acusatório:
Liquidating our FTT is just post-exit risk management, learning from LUNA. We gave support before, but we won’t pretend to make love after divorce. We are not against anyone. But we won’t support people who lobby against other industry players behind their backs. Onwards.
— CZ 🔶 Binance (@cz_binance) November 6, 2022
“Liquidar nossos FTT é apenas uma gestão de risco para sair da posição, aprendemos com o LUNA. Nós demos suporte antes, mas não fingimos fazer amor após o divórcio. Não estamos contra ninguém. Mas não apoiaremos pessoas que fazem lobby pelas costas contra players da indústria. Avante.”
Em uma resposta que inclui a frase “um competidor está atacando a FTX com falsos rumores”, SBF tentou esclarecer a situação da FTX.
2) FTX has enough to cover all client holdings.
We don’t invest client assets (even in treasuries).
We have been processing all withdrawals, and will continue to be.
Some details on withdrawal speed: https://t.co/tSjhJW3JlI
(banks and nodes can be slow)
— SBF (@SBF_FTX) November 7, 2022
“A FTX tem o suficiente para cobrir todos os fundos dos clientes. Nós não investimentos os ativos de nossos clientes, nem mesmo em tesouros. Nós estamos processando os saques, e vamos continuar fazendo isso.”
Até então, esse parece ser o fim da troca de farpas entre os dois bilionários.
Final feliz?
O usuário Lookonchain listou outros criptoativos mantidos pela Alameda Research que, diferente daqueles listados por João Kamradt, podem ser ‘despejados’ no mercado.
Imagem: outros ativos mantidos pela Alameda Research/Lookonchain
Nos comentários da publicação, Larry Cermak exibiu dados mostrando que a Alameda Research estava depositando fundos em suas carteiras mantidas na Binance. Ao observar as movimentações, Cermak cogitou a hipótese de que um acordo no ‘mercado de balcão’ tenha sido firmado entre Binance e Alameda para a compra dos tokens FTT.
Foi então que uma operação de US$ 42,99 milhões, que consiste na venda de 1,919 milhão de tokens FTT, foi feita através da plataforma Genesis para uma carteira da FTX. Cermak respondeu que “parece estar certo sobre sua teoria”.
De qualquer forma, é válido ressaltar que a Binance tem, pelo menos, mais US$ 541 milhões em tokens FTT. Ainda não é certo se a Alameda continuará comprando os tokens FTT da Binance.
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