Agro bomba e exportadoras aproveitam janelas de negociação com o dólar forte
Não é de um dia para o outro que a alta do dólar afeta a vida das empresas. Mas agora, com a cotação estabilizada acima dos R$ 5,40 há quase três meses, os efeitos começam a aparecer: as exportações de commodities agrícolas já mostram um forte crescimento, e grandes indústrias percebem os efeitos positivos sobre seus resultados financeiros.
Entre junho e julho, o dólar mudou de patamar: saiu de R$ 5,24 para R$ 5,66, uma valorização de 8%. Em agosto, a cotação se estabilizou um pouco acima de R$ 5,40. Esse movimento favorece o exportador, que vende seus produtos no exterior e, portanto, recebe em dólares, mas tem boa parte de seus custos pagos em reais.
Quem pode, está aproveitando essa janela. É o caso dos produtores de soja, carro-chefe das exportações brasileiras.
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Os produtores correram para antecipar a venda da safra 2024/25, que será plantada somente em setembro, para aproveitar o dólar mais alto. A venda antecipada da safra é um procedimento normal e acontece todos os anos. Mas, com o dólar mais atrativo, as negociações aceleram.
Segundo Luiz Fernando Roque, analista da Safras & Mercado, a comercialização dessa soja que ainda nem existe chegou a 18,2% da produção estimada para esse ciclo, volume maior do que o observado em igual período do ano passado (13,9%).
Já a comercialização da safra de soja do período 2023/24, que já foi colhida, cresceu de 71,8% para 77,5%. Nesse caso, a venda é do tipo “pronta entrega” (spot).
Veja o caso da SLC Agrícola, uma das maiores produtoras de grãos do país. A empresa subiu a taxa do câmbio de seus contratos de R$ 5,20 para R$ 5,35 entre o fim do primeiro semestre e a primeira quinzena de agosto. Ao mesmo tempo, a companhia aproveitou o bom momento para ampliar suas vendas antecipadas de soja de 32,9% da futura safra para 40,2%.
“Foi uma aceleração interessante, especialmente em junho [mês em que o rali do dólar começou]. Os custos em dólar da safra [basicamente fertilizantes] foram fechados a um câmbio mais baixo. Agora, a moeda entre R$ 5,45 e R$ 5,50 ajuda a remunerar o agricultor”, diz Roque.
Esse efeito positivo para o exportador, entretanto, acabou perdendo força nas últimas semanas, quase como um efeito colateral: como a alta do dólar estimulou um aumento da oferta de grãos na Bolsa de Chicago, referência quando o assunto é o grão, os preços da commodity acabaram cedendo – também pressionados por uma safra americana robusta. “O mercado de soja já vive um fim de ciclo de alta desde 2023, com alguns respiros, e por isso os agricultores ficam mais seletivos para negociar.”
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Quem também aproveitou a deixa do dólar alto foram os frigoríficos. Em julho, as exportações de carne bovina atingiram volume recorde (267,7 mil toneladas). O faturamento somou US$ 1,15 bilhão – um dos 10 maiores da história, segundo dados compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), que reúne JBS, Marfrig e Minerva, os três maiores frigoríficos do país. A Abiec apontou o câmbio como um dos fatores para o aumento das vendas.
Ao todo, as exportações do agronegócio somaram US$ 15,4 bilhões em julho, crescimento de 8,8% em relação a igual período de 2023 – recorde para o mês e maior valor deste ano. Resultado puxado por soja e carnes. Está aí o “efeito dólar”.
O CFO da JBS, Guilherme Cavalcanti, disse durante um evento realizado pela agência de classificação de risco Moody’s que a alta do dólar traz mais “oportunidades do que desafios” para a empresa. A JBS é hoje uma multinacional: 30% dos ativos da empresa estão em países desenvolvidos, e 70% em países emergentes. De tudo o que a empresa vende no mundo, 75% ficam nos mercados locais, onde os produtos foram produzidos, e 25% são vendidos por meio de exportação.
A empresa tem uma dívida em dólar que, claro, fica mais cara em reais quando há desvalorização da moeda brasileira. Por outro lado, o montante em moeda americana tem diminuído. No encerramento do segundo trimestre, o passivo estava em US$ 14,759 bilhões 11,4% abaixo da dívida contabilizada no mesmo período de 2023 (US$ 16,652 bilhões).
Há alguns anos, a companhia aproveitou o período em que os juros nos Estados Unidos estavam baixos para reestruturar seu passivo – o que se chama, tecnicamente, de reliability management.
Na prática, a empresa tomou linhas de financiamento a taxas de juros mais baixas e prazos mais longos: o prazo médio está em 11 anos, o que reduz o peso da dívida sobre a companhia.
Outros setores
A Embraer, outra grande exportadora, salienta os benefícios da alta do dólar. “A gente só vai ganhar mais dinheiro”, disse Antonio Carlos Garcia, CFO da companhia, no evento da Moody’s. “Nunca vendemos tantos aviões executivos”.
De fato. Ao menos no curto prazo, a fabricante de aeronaves fica mais competitiva. Mas só até que a desvalorização do real vire inflação – o que teria um impacto negativo para a empresa, entre outras razões, por causa da negociação de reajustes salariais. Garcia, de qualquer forma, ressalta que a companhia não teme uma reviravolta. “Não achamos que essa volatilidade vai passar tão cedo, mas também não vemos nenhuma crise pela frente.”
Nas exportações de minério de ferro, onde a Vale nada de braçada, o volume cresceu 24% em julho na comparação com o mesmo mês do ano anterior, para 39,31 milhões de toneladas embarcadas – número que ficou muito próximo do recorde histórico, de 39,5 milhões de toneladas de dezembro de 2015. A receita cresceu 21% no comparativo anual, para US$ 2,9 bilhões.
Outro setor que se beneficia de uma demanda mais aquecida para exportação são as transportadoras. O preço do frete rodoviário atingiu o maior valor desde janeiro, a R$ 6,33 por quilômetro, segundo uma pesquisa mais recente da Edenred Repom. Antonio Wrobleski, presidente da BBM Logística, afirma que a demanda cresceu desde junho, com mais empresas procurando transporte de contêineres até os portos brasileiros. Ele reforça: “Percebemos uma mudança recentemente, foi uma demanda que cresceu de forma significativa”.