Adoção de Prova de Reservas é um avanço, mas não protege totalmente os investidores, afirma especialista

Pelo menos dez exchanges de criptomoedas anunciaram que vão adotar a publicação de Provas de Reservas para atestar a veracidade dos dados acerca dos ativos que mantêm sob custódia após a crise de liquidez que deixou a FTX à beira da falência.

A súbita e inesperada queda do império de Sam Bankman-Fried (SBF), CEO e fundador da FTX e dono da Alameda Research, foi em parte motivada pela falta de transparência dos negócios do ex-bilionário.

À medida que o mercado ainda sofre os efeitos do contágio das crises de liquidez das empresas de SBF, as exchanges de criptomoedas se movimentam para oferecer maiores garantias e, principalmente, segurança para que os investidores do varejo não abandonem as criptomoedas depois da sequência de traumas desencadeada pelo colapso do ecossistema Terra, passando pelas falências de plataformas de empréstimo como a Celsius e a Voyager, a insolvência do fundo de capital de risco Three Arrows Capital, e que agora culminou com o prejuízo de milhões de clientes da FTX no mundo todo.

As chamadas Provas de Reservas (PoR) são um mecanismo de aferição baseado em um dispositivo criptográfico que pode ser utilizado para que as exchanges de criptomoedas atestem o estado de seus balanços financeiros bem como os ativos dos clientes que mantêm sob sua custódia.

Em uma última instância, a função da publicação de PoR por parte das exchanges de criptomoedas é provar ao público em geral, e em particular aos seus respectivos clientes, que as criptomoedas depositadas e mantidas sob custódia em suas plataformas correspondem aos saldos dos usuários através de dados on-chain.

Em um saudável movimento para oferecer maior transparência aos seus clientes, desde que os desdobramentos cataclísmicos da crise Alameda-FTX tiveram início na semana passada, pelo menos nove exchanges anunciaram que passarão a publicar Provas de Reservas regularmente para tranquilizar os investidores e evitar que novas crises de liquidez e insolvência abalem o mercado.

CZ dita um novo padrão para a indústria

Antagonista de SBF no drama da FTX, o CEO da Binance, Changpeng “CZ” Zhao, deu início ao movimento na terça-feira, 8, com uma postagem publicada no Twitter em que exortou as principais entidades da indústria a adotarem o mecanismo baseado em árvores de Merkle, um dispositivo criptográfico que é utilizado pelo Bitcoin (BTC) e outras criptomoedas para codificar dados armazenados em redes blockchain de forma mais eficiente e segura.

Todas as exchanges de criptomoedas devem fazer prova de reservas baseadas em árvores de merkle.

Os bancos funcionam com reservas fracionárias.
As exchanges de criptomoedas não deveriam fazê-lo. A @Binance começará a fazer prova de reservas em breve. Transparência total.

— CZ 🔶 Binance (@cz_binance)

Após a manifestação de CZ afirmando que a Binance vai adotar a publicação de Prova de Reservas como prática institucional, as exchanges Gate.io, OKX, KuCoin, Poloniex, Bitget, Huobi, Deribit e Bybit declararam intenções semelhantes. A Kraken e a Bitmex já haviam adotado tal medida anteriormente.

Em geral, em exchanges de criptomoedas centralizadas os ativos de cada usuário são registrados em um livro-razão em um banco de dados centralizado. Os ativos registrados neste banco de dados somam o valor total de todos ativos dos usuários, sem distinção.

O uso de árvores de Merkle permite que as exchanges armazenem em hashes o valor dos ativos das contas de cada usuário nos “nós de folha” da árvore Merkle. A segunda etapa do processo prevê a condução de uma auditoria externa para verificar a veracidade desses dados.

Falhas do sistema

Embora na teoria pareça uma medida simples e perfeitamente cabível, na prática não é tão simples assim, afirma Nic Carter, sócio da Castle Island Ventures, em um texto publicado em seu blog pessoal.

Segundo Carter, as Provas de Reservas não impedem que as exchanges utilizem os fundos de seus clientes em operações financeiras não reveladas e mesmo assim consigam atestar que suas reservas estão em conformidade com os saldos dos clientes mantidos sob custódia:

“Provar que você controla alguns fundos on-chain é trivial, mas você sempre pode tomar esses fundos emprestados a curto prazo. É por isso que os atestados pontuais significam relativamente pouco. Além disso, as exchanges podem ter passivos ocultos ou fazer com que os credores reivindiquem prioridade sobre os usuários da plataforma, especialmente se não segregarem legalmente os ativos dos clientes depositados em suas plataformas.”

Carter diz ainda que as exchanges podem omitir certos passivos, enganando os auditores. Como forma de minimizar esta possibilidade, ele recomenda a adoção de dois protocolos PoR, cada um com uma finalidade diferente:

“É por isso que recomendo tanto um protocolo PoR voltado para o usuário, permitindo que eles usuários obtenham “imunidade de rebanho” verificando coletivamente seus saldos individuais, quanto um protocolo PoR voltado exclusivamente para o auditor, para provar que os passivos reivindicados são fiéis à realidade.”

Mesmo assim, destaca, o sistema não é imune a falhas. Outro ponto importante no que diz respeito à segurança dos investidores é que os desdobramentos de eventuais crises de liquidez como a da FTX dependem do marco regulatório de cada jurisdição.

No caso de empresas transnacionais, como a FTX e também a Binance, não há garantias de que os clientes de uma exchange insolvente tenham prioridade sobre os credores em caso de compensações por perdas e danos. “Isso significa que é possível que grandes dívidas consistam em um passivo oculto que enfraqueceria qualquer reivindicação dos clientes sobre as reservas da empresa no pior cenário”, diz Carter.

Para o especialista, por princípio, todas as exchanges deveriam adotar a segregação patrimonial como norma, privilegiando os seus clientes em detrimento de eventuais credores.

Por fim, Carter conclui que, embora “o programa de Prova de Reservas não seja totalmente confiável”, ainda assim se constitui em uma prática saudável. Especialmente por conta de três motivos: é uma medida autorregulatória importante em um momento em que os legisladores provavelmente vão impor medidas de proteção aos consumidores; é uma boa prática empresarial, POIS atesta o compromisso das exchanges com os seus clientes; e é uma boa medida protetiva contra os operadores do mercado mal intencionados.

Posteriormente, em uma postagem publicada no Twitter, Carter prometeu fazer o rastreamento das exchanges que estão comprometidas com a publicacão de Provas de Reservas em atualizações constantes no seu próprio site pessoal.

Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil, a mais recente exchange a aderir ao mecanismo de Prova de Reservas foi a Crypto.com. A informação foi divulgada pelo CEO da empresa, Kris Marszalek, em uma postagem publicada no Twitter em 9 de novembro depois que a Crypto.com bloqueou saques e depósitos das stablecoins USD Coin (USDC) e Tether (USDT) na rede da Solana (SOL).

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