A rotatividade no topo das empresas brasileiras é alta. Os headhunters tentam mudar isso
O mercado brasileiro de executivos está cada vez mais dinâmico, afirmam as empresas que recrutam esse tipo de profissional. “Dinâmico” é mais um eufemismo para “cadeira quente” mesmo. Estima-se que a rotatividade de C-levels (aquela sopa de letrinhas que vai de CEO, passa por CFO, e tem CTO, COO…) nas empresas brasileiras gira em torno de 30% ao ano. Isso significa que três entre 10 executivos não terminam o ano na mesma empresa. Um desafio para as corporações e também para os headhunters, os profissionais responsáveis por fazer a seleção desse tipo de profissional.
Não existe um levantamento centrado na dinâmica dos altos cargos empresariais do Brasil. Mas o noticiário recente sobre as 20 principais companhias do Ibovespa respalda essa tese. Neste ano, cinco empresas já trocaram de CEO, inclusive as duas maiores do país: Vale e Petrobras. Além delas, Suzano, WEG e Sabesp já estão como novos diretores-presidentes; e outras duas já anunciaram novos comandantes a partir de janeiro de 2025: Ambev e RD Saúde (a antiga Raia Drogasil).
No grupo das 20 maiores empresas analisadas, 35% já encaminharam um novo CEO este ano. É importante dizer que sempre é possível encontrar uma rotatividade maior: na Série A do Campeonato Brasileiro, por exemplo, em que 14 dos 20 times trocaram de treinador na competição deste ano (70% do total). Quando se amplia o escopo para as 86 empresas que fazem parte do Ibovespa, o percentual de trocas cai para 12,7%, com 11 trocas anunciadas em 2024 – soma-se aí PetroReconcavo, Vivara, Alpagartas e Rumo.
Em 2023, a substituição de CEOs na “Série A” do Ibovespa não foi muito diferente. Cinco dessas mesmas 20 companhias substituíram no ano passado seu principal executivo: novamente Petrobras e Sabesp; Banco do Brasil, Bradesco e Eletrobras completam a lista – um total de 25%. Isso sem considerar a WEG, que já havia anunciado ainda em 2023 a sucessão concretizada em abril deste ano.
Dos que permanecem no cargo, o mais longevo da lista é Alfredo Setubal, CEO da Itaúsa, holding que cuida dos negócios de sua família: Itaú, Alpargatas, CCR, entre outras. Dos profissionais considerados “do mercado”, Roberto Sallouti (BTG Pactual) e Augusto Miranda Júnior (Equatorial Energia) também estão perto de completar uma década no comando de suas respectivas companhias.
Ana Carla Guimarães, diretora de recrutamento executivo na Robert Half, diz que a rotatividade em posições C-level aumentou nos últimos anos, acompanhando as mudanças de mercado. “Quem não se adapta rapidamente a esse novo ambiente tecnológico acaba sendo substituído. Estamos percebendo muito essa troca de um perfil de executivo mais clássico para um mais disruptivo”.
Como um M&A
Obviamente os motivos para as trocas variam. No caso de estatais, Banco do Brasil, Petrobras e até a Sabesp (que passou a ser privada no mês passado), as questões políticas e de governo prevaleceram. Mas, quando se trata de empresas puramente privadas, a troca pode ser apoiada por uma necessidade de mudança de estratégia, aposentadoria do atual CEO ou a passagem de um executivo ligado à família controladora para um profissional vindo do mercado.
Luiz Gustavo Mariano, sócio da Flow Executive Finders, consultoria especializada na contratação de C-levels (o chamado “headhunting”) e que atende empresas como Localiza e Vibra, diz que, muitas vezes, o método de seleção desses profissionais acaba levando mais em conta o relacionamento e a história do executivo do que necessariamente suas competências para lidar com a estratégia que a companhia precisa naquele momento.
“Existem executivos que fizeram grandes coisas dentro de um segmento, mas que não conhecem muito de outro setor. Há uma curva de aprendizagem e nem todas as empresas podem dar esse tempo”, aponta. “No caso dos CEOs, acabou virando um clube seleto, em que eram sempre os mesmos nomes, mas isso está mudando.”
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Nas empresas que estão na Bolsa, podemos ver casos de executivos que foram bem-sucedidos em uma área e que migraram para outro segmento, só que nem sempre com o mesmo brilho.
Pedro Zinner, experiente executivo do setor de commodities e ex-CEO da companhia de energia Eneva, agora toca o turnaround da empresa de “maquininhas” Stone.
Octavio Pereira Lopes, que ajudou a consolidar a Equatorial Energia há 20 anos, não conseguiu repetir o mesmo sucesso na Tok&Stok e, mais recentemente, na Light, da qual saiu em dezembro de 2023 após um controverso processo de recuperação judicial.
Ivan Murias, que fez carreira no varejo e também passou pela Tok&Stok, é outro exemplo. Murias esteve na empresa de documentos Valid até março e, em abril, assumiu o comando da empresa de logística Infracommerce e, nesta segunda-feira (7), passou a chairman da companhia.
Ana Carla, da Robert Half, lembra que a seleção de C-levels, principalmente de CEOs, inevitavelmente vai ocorrer por meio de indicações. “Não são vagas que anunciamos na internet”, afirma. Mas o diferencial está em como os headhunters vão filtrar as competências desse profissional na hora de apresentar isso para os controladores das companhias.
Portanto, o desafio das consultorias é o de convencer o conselho de administração das empresas que contratar um executivo que tenha experiência em tocar a estratégia desenhada pelo board é tão importante quanto um M&A. “Qual é o objetivo da empresa com uma aquisição? Na maioria das vezes, é ganhar tempo. Na contratação, a lógica tem que ser a mesma. É estratégico”, prossegue Mariano, da Flow.
E, como diz o ditado, tempo é dinheiro. Um estudo da FEA-USP, contratado pela Flow, mostra que os executivos C-level vindos por meio da metodologia da consultoria, que dá mais peso a profissionais que sabem tocar a estratégia procurada em detrimento do “nome”, gerou um retorno médio de aproximadamente R$18 milhões ao ano.
Além do ganho financeiro, a seleção gerou maior permanência dos profissionais: desde 2018, 62% dos C-levels vindos pela consultoria ainda permanecem no cargo, com uma média de permanência de 55 meses, ou quase cinco anos. Entre os CEOs que a Flow ajudou a contratar estão Marcos Magalhães, do Banco BS2 e José Luis Villarroel, que comanda a unidade brasileira da seguradora Aon.
Novas cadeiras
Além dos C-levels tradicionais, os recrutadores estão sendo cada vez mais demandados para buscarem executivos que possam iniciar uma nova diretoria na empresa.
Ana Carla, da Robert Half, diz que a procura por CTOs, o diretor responsável pela estratégia de tecnologia da companhia, e cargos voltados à proteção de dados são algumas das tendências mais recentes. A busca por conselheiros profissionais também ganhou fôlego, relata a recrutadora.
Em outra frente, há corporações que buscam se alinhar mais às iniciativas de sustentabilidade. Igor Schultz, também sócio da Flow, diz que passou a existir também para a função de Chief Sustainability Officer (CSO), profissional responsável por gerir as metas de sustentabilidade das organizações.
“Tivemos um grande cliente do setor de celulose que viu um concorrente internacional destinar US$ 200 milhões para iniciativas em crédito de carbono. Eles, percebendo o risco de ficarem para trás, nos procuraram para ‘criar’ essa cadeira”, exemplifica.
Outra novidade dos últimos anos foi a adoção de CEOs e CFOs temporários, uma lógica que faz sentido para as casas de private equity, que são aquelas que compram empresas por meio de fundos de investimento e que tem uma prazo para que elas sejam negociadas, seja por uma listagem em Bolsa ou venda direta.
A gestora contrata executivos experientes para atender seu portfólio de investidas, ora atuando em uma e depois migrando para outra em janelas curtas. “Temos casos de executivos contratados por nós e que prestam serviços para o private equity. Obviamente isso tem que se encaixar no objetivo de vida do profissional, mas muitos se adaptam”, conclui Ana Carla.