A pior fase do Bitcoin pode ter ficado para trás, diz Fernando Ulrich

Será o fim da maré baixa para as criptomoedas? Após um longo ciclo de desvalorização, a moeda digital bitcoin dá sinais de que a fase ruim ficou para trás. Ela já acumula valorização de 130% em 2019 – no maior valor em 12 meses.

O autor do livro “Bitcoin: A Moeda na Era Digital” e analista-chefe da XDEX, Fernando Ulrich, acha pouco provável que o bitcoin volte a depreciar para os níveis de dezembro do ano passado, quando afundou a US$ 3,5 mil – bem longe do midiático recorde dos US$ 20 mil, ao fim de 2017. O bitcoin é negociado hoje em torno de US$ 8,5 mil.

Sinais de que a moeda mudaria de rumo já eram evidentes há alguns meses, aponta Ulrich. Em sua visão, o que distingue o atual momento da escalada extraordinária em 2017 são fundamentos mais robustos que sustentam um futuro promissor para a moeda – não só na cotação, mas em sua utilidade.

O interesse crescente de grandes companhias em projetos que envolvem criptomoedas e blockchain (a tecnologia por trás do bitcoin) certamente influenciou o preço, acredita o especialista em criptomoedas. É o caso de gigantes como Facebook e Microsoft e a gestora de investimentos Fidelity Investment, que tem US$ 7 bilhões em ativos sob seu guarda-chuva.

A EXAME, Fernando Ulrich fala sobre o provável futuro da criptomoeda, os entraves regulatórios que ainda barram investimentos em criptoativos no Brasil e a ainda distante realidade de viabilizar o bitcoin como forma de pagamento no dia a dia.

Foi possível prever a retomada que vemos agora na cotação do bitcoin?

Já tínhamos alguns sinais de que o preço da criptomoeda havia chegado bem perto do ponto mais baixo e que uma reversão aconteceria em algum momento. A moeda estava há mais de 1 ano em forte correção, revertendo as máximas históricas. Vários indicadores já mostravam uma possível alta, como o volume de negociação e a quantidade de transações na rede.

Também se especula que o mercado pode estar antecipando uma queda na recompensa dos mineradores [que fazem o registro das transações no blockchain, a tecnologia que criou o bitcoin], prevista para maio do ano que vem. A rede tem esse mecanismo de recompensa que cai pela metade a cada quatro anos. Sempre que isso ocorreu, meses antes o mercado precificou essa queda e houve uma alta significativa de preços.

Há sinais de que o ciclo de queda do bitcoin terminou?

Acredito que sim. Acho que já entramos em outro momento e penso ser pouco provável vermos de volta aquele patamar de dezembro do ano passado com o bitcoin a US$ 3,5 mil.

Por quê?

Pelas mudanças de percepção que ocorreram no mercado e pelas notícias relevantes mostrando a tecnologia como uma oportunidade e não só especulação. Pelo fato de ela estar entrando cada vez mais no mercado tradicional. Pela quantidade de projetos que há hoje em infraestrutura e regulação, há potencial. Comparado à alta de 2017, estamos em outro patamar, houve uma evolução muito clara. Tudo isso me leva a crer que é o fim do ciclo de queda, mas não dá para descartar.

O que explica a recente escalada do bitcoin, depois da forte baixa que frustrou investidores?

Alguns catalisadores nas últimas seis semanas ajudam a explicar o movimento. Notícias favoráveis podem ter ajudado, mas o que explica mesmo é a própria tecnologia do bitcoin. Faz meses que se especulava que o Facebook estaria trabalhando num projeto que envolveria criptomoedas para um sistema de pagamentos integrado à plataforma. Também a Microsoft confirmou um projeto de identidade descentralizada sobre o blockchain do bitcoin.

Olhando para o mercado financeiro tradicional, têm crescido bastante os volumes de negociação e interesse dos investidores institucionais. A gestora Fidelity Investment fez uma pesquisa com mais de 400 investidores institucionais sobre ativos digitais e cerca de um quarto respondeu ter interesse em alguma exposição na criptomoeda nos próximos anos.

Teve também a Bakkt, uma startup da Intercontinental Exchange, dona da bolsa de Nova York, exclusiva para negociação, custódia, liquidação, contratos futuros de bitcoins. Nessa iniciativa ela tem parceiros como a Microsoft e o Starbucks e vai começar a operar os primeiros contratos futuros de bitcoin com entrega física. Os contratos até agora eram apenas liquidados financeiramente, sem entrega do bitcoin.

Por ser uma moeda altamente volátil, não existe o risco de um novo movimento de correção?

No curto ou curtíssimo prazo é hora de cautela para o investidor, porque foi uma alta bastante expressiva em pouquíssimo tempo. Mas quando se olha para o médio e longo prazo, na minha visão os fundamentos estão bem sólidos e mesmo com este risco, pode ser uma boa oportunidade.

O bitcoin ainda não é viável como moeda de troca. Ainda tem chance de pagar o cafezinho?

Sem dúvida. Ele já vem sendo usado em algumas remessas internacionais, já é o melhor sistema para isso. É mais seguro, mais rápido, transparente e menos custoso que outras alternativas no mundo financeiro. Em alguns casos ele já é uma alternativa melhor. Muitas vezes para o pagamento pela internet. É claro que pagar um restaurante ou o cafezinho com bitcoin ainda não faz muito sentido, mas em outros casos sim.

Fica mais difícil para o bitcoin se inserir como forma de pagamento frente à evolução de serviços de pagamentos digitais como o Bitpay e outras fintechs?

Pelo contrário. O bitcoin não é apenas uma inovação do sistema de pagamentos. Quando falamos em fintechs e inovação em tecnologia no mundo de pagamentos, todas inovam sob o sistema de pagamento e usam moedas nacionais. O bitcoin também tem seu próprio ativo, é digital e escasso, muito maior que apenas um sistema de pagamentos.

Por exemplo, o aplicativo Cash App já aceita bitcoins em seu aplicativo, e as vendas no primeiro trimestre bateram o recorde histórico na criptomoeda. Mesmo as fintechs e inovações em pagamentos começam a olhar o bitcoin como uma oportunidade de negócio para o mundo financeiro.

No atual estágio do bitcoin, o que o diferencia de outras criptomoedas?

Ele é único porque foi o primeiro de todos. A contribuição de programadores e a quantidade de olhos inspecionando seu código ainda é muito superior a criptomoedas como Etherium ou o Litecoin. Por ter sido o primeiro, ele já tem um efeito de barreira muito forte. Quanto mais pessoas usam a tecnologia, mais difícil é quebrar sua segurança.

O histórico nos últimos 10 anos de operação é impressionante, operando de forma ininterrupta, 24 horas por dia, todos os dias do ano. Até hoje, nenhuma outra criptomoeda conseguiu replicar esse feito. O que também distingue das demais é o sistema absolutamente descentralizado, em que não há uma autoridade central ou um grupo pequeno com poder ou relevância. Nas outras criptomoedas vemos um pouco disso.  

Como você vê a chegada de fundos exclusivos de criptomoedas no Brasil e no exterior?

É importante porque vai oferecer a mais investidores uma alternativa, sem se preocupar com a parte tecnológica e como se faz custódia. É uma forma de facilitar e trazer o maior número de investidores. Lá fora isso já existe bastante. Aqui eu lamento que tenha tanta restrição regulatória. É um paradoxo, porque enquanto tem pelo menos 1,5 milhão de pessoas cadastradas em exchanges no Brasil, o máximo que um fundo pode investir em criptomoedas é 20% e tem que ser um fundo lá fora.

O que precisa mudar no ambiente regulatório para desenvolver o mercado de criptoativos?

É preciso trazer alguns esclarecimentos para o setor e tentar não errar a mão na exigência, nas obrigações que acabem matando um setor ou impeçam que as empresas nem consigam começar, por fardos regulatórios e que nem sempre atingem o objetivo de proteger o investidor, evitando que o mercado se desenvolva.

Já não houve avanços por parte do Banco Central e da CVM em relação às criptomoedas?

Sem dúvida o nível de entendimento melhorou. O diálogo com as associações do setor, que são duas (ABCB e ABCripto) está bem mais facilitado e próximo de vários reguladores como o Ministério Público, o Bacen, a Polícia Federal. Hoje essa discussão já está em um outro patamar.

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