A história do banco brasileiro que patrocinou Senna e quebrou por criar um esquema ponzi

O Banco Nacional, que patrocinava o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, teria utilizado um jogo de Ponzi que o levou à falência em 1995 com prejuízo de 581% sobre o seu valor contábil. A fraude cometida pela instituição financeira só foi descoberta pelo Banco Central (BC) sete anos depois e, no final, o governo arcou com maior parte do prejuízo.

Segundo o artigo “Banco Nacional: jogo de Ponzi, PROER e FCVS”, de Fernando de Holanda Barbosa, professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EPGE), a série de fraudes cometidas pelo Banco Nacional acabou gerando um saldo devedor total de R$ 5,36 bilhões. 

O caso é antigo mas voltou aos holofotes após Rafael Moro Martins, editor do site The Intercept Brasil, ter feito uma provocação no Twitter, no último dia 25. Ele perguntou “quem teria coragem de usar um boné com a marca dum banco que maquiou balanços, criou um esquema Ponzi e precisou ser salvo com bilhões em dinheiro público?”

A instituição financeira escondeu sua situação de total insolvência manipulando as operações de crédito, como se seus devedores estivessem pagando normalmente. Afinal de contas, a imagem de uma marca associada a um grande ídolo brasileiro da Fórmula 1 não combinaria com a de um banco quebrado já naquele período. 

O próprio piloto, que faleceu em 1994, durante um acidente na pista de Imola, na Itália, manteve a marca mesmo sem receber, conforme foi noticiado no site Motorsport.

Ponzi do Banco Nacional

O fato, porém, é que hoje mesmo depois de a verdade ter vindo à tona, a loja oficial de Ayrton Senna, ainda comercializa o clássico boné azul do Banco Nacional. Para o jornalista do Intercept Brasil, isso não faz sentido.

Entre os seus posts, ele atacou a irmã de Senna, Viviane Senna, e mencionou o artigo do professor de economia da FGV que demonstra todo o esquema fraudulento usado para manter a aparência de instituição sólida. 

De acordo com o artigo de Holanda Barbosa, publicado em 2008, o Banco Nacional promoveu o chamado jogo de Ponzi. Ele se caracteriza “pelo fato de o agente econômico (seja consumidor, empresa ou governo) renovar continuamente seus empréstimos para pagar não somente o principal, mas também o total dos juros devidos pelo empréstimo, acarretando um crescimento em bola de neve da dívida contraída”. 

O mercado não tinha a real noção do que estava ocorrendo com o banco, que foi fundado por Waldomiro de Magalhães Pinto em 1944. O professor explicou em seu artigo que a fraude “não foi detectada nem pelo sistema de auditoria externa, da empresa de auditoria KPMG Peat Marwick, tampouco pela fiscalização bancária do Banco Central”.

Barbosa falou ao Portal do Bitcoin que até hoje não entende o porquê de o Banco Nacional ter agido daquela forma, uma vez que logo quando os clientes deixam de pagar empréstimos os bancos fazem a provisão para devedores duvidosos na incerteza de não saber se eles vão pagar.

“Ao invés de fazer essa provisão, eles continuaram colocando como se essas contas estivessem adimplentes e esses clientes pagando os juros. No começo, o Banco Nacional poderia ter admitido e ter a perda de capital, mas preferiu fazer esse jogo de Ponzi”.

Descoberta do esquema

O esquema só foi descoberto após o Banco Central ter instaurado um inquérito, pelo qual uma comissão constatou a existência de 652 contas de crédito bancário, denominadas Natureza 917, na contabilidade paralela que existia no Banco Nacional. 

Sobre essas contas, o professor mencionou no artigo o depoimento do diretor do Banco Nacional e Vice-presidente da Controladoria Clarimundo José de Sant’Anna, pelo qual explicou:

“O que esses créditos (Natureza 917) têm de excepcional é que, uma vez vencidos e não pagos, deixaram de ser registrados como perdas nas contas de resultado do banco, continuaram a integrar o ativo e essa carteira foi periodicamente acrescida do custo do dinheiro suportado pela instituição.” 

O professor disse à reportagem que o jogo de Ponzi não significa afirmar que os responsáveis pelo Banco Nacional tenham usado a fraude para “colocar o dinheiro no bolso”.

A questão, porém, é que essas contas 917 “representavam aproximadamente 75% das operações de crédito e tinham sido manipuladas de modo fictício durante um período de sete anos”. Como o prejuízo foi crescente, atingiu “em dezembro de 1995 um valor igual a 581% do valor contábil do seu patrimônio líquido”, conforme consta no artigo.

Intervenção do Banco Central

O Banco Central havia decretado o Regime de Administração Especial Temporária (RAET) do Banco Nacional, uma espécie de falência do banco. Com isso, o BC retirou todos os dirigentes da instituição e nomeou um Conselho Diretor para cuidar da gestão do banco.

Segundo o professor, nesse procedimento o BC separa o ”banco bom” do “banco ruim”. A parte boa acaba sendo aproveitada por um outra instituição que arca com parte dos custos e em troca recebe os pontos das agências e a clientela. O “banco ruim”, entretanto, fica por conta do governo. 

No artigo, o professor apontou que apesar de o saldo devedor ter sido de R$ 5,36 bilhões, o passivo descoberto era bem maior na data da decretação do RAET e ultrapassava o valor contábil de R$ 6,73 bilhões. 

Custo da salvação

Quem assumiu o “banco bom” do Nacional foi o Unibanco. Antes desse esquema estourar, o Banco Nacional era o sétimo maior banco do país, enquanto que o Unibanco estava na décima colocação.

Mas isso não foi de graça. O Banco Central, por meio do Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER), “emprestou ao Banco Nacional R$ 5,9 bilhões com taxa de juros de 9% ao ano mais TR”.

O valor da venda da parte boa do Banco Nacional para o Unibanco foi de R$ 1,21 bilhões. No entanto, o professor concluiu em seu trabalho que se o Banco Central não interviesse, a situação seria muito pior.

“O banco bom teria seu tamanho reduzido, e, conseqüentemente, seu valor de venda seria menor do que aquele pago pelo Unibanco. A ação do Banco Central do Brasil impediu que houvesse um efeito contágio no sistema financeiro evitando, portanto, um custo maior para a sociedade da insolvência do Banco Nacional”.

Nova realidade

Ao ser questionado se atualmente o país poderia ter um novo caso como o do Banco Nacional, o professor afastou essa possibilidade devido à atuação mais forte do Banco Central na fiscalização e auditoria. 

Ele mencionou que essa conduta foi adotada pelos bancos centrais de todo o mundo após a crise de 2008. Outro fator sinalizado pelo professor é que o bancos não trabalham tão alavancados como antes.

“Se uma instituição tem capital de R$ 2 bi e alavanca, por exemplo, 10x, teoricamente possui R$ 18 bi de terceiros. Caso dez por cento não paga, o capital já virou zero. Se a inadimplência for um pouco maior tem de ir a liquidação judicial”, explicou o professor.

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