A evolução e profissionalização do mercado de mineração de Bitcoin
Imagine ligar seu computador, abrir um programa e receber 50 Bitcoins a cada 10 minutos? Essa era a realidade de muitas pessoas que chegaram no mercado de bitcoin ainda no começo. O Bitcoin era tratado apenas como um hobby ou um artigo colecionável na internet.
No entanto, a evolução da mineração de Bitcoin evoluiu de computadores domésticos para fábricas com escala industrial.
Hoje, não há mais espaço para aventureiros. O mercado ficou altamente eficiente e qualificado, onde apenas os melhores sobrevivem. Nesse mercado, reina o conceito econômico de Teoria dos Jogos, do brilhante matemático John Nash. Cada um visa seu interesse e age com base no que o outro irá fazer.
Será explicado ao longo do texto a evolução desse mercado, do conceito de eficiência e o conceito econômico da Teoria dos Jogos.
Uma breve revisão sobre a mineração de Bitcoin
Minerar Bitcoin, de forma resumida, é emprestar seu computador para verificar a autenticidade de todas as transações na rede. Você emprega poder de processamento, gasta energia e recebe uma recompensa em Bitcoins como incentivo econômico.
As transações são organizadas em um conjunto, conhecido como bloco. A cada 10 minutos, um novo bloco é verificado por mineradores através de um processo de competição. Existe uma corrida para verificar esse bloco. Quem vence, ganha a recompensa em Bitcoins.
A mineração é a fundação de todo o sistema do Bitcoin. Sem ela, não existiria segurança nas transações, o que comprometeria a confiança de toda a rede. Afinal, sem verificação o sistema estaria suscetível à fraudes e não seria muito diferente de uma moeda de World of Warcraft.
O mais interessante é o conceito econômico por trás disso. Ninguém minera Bitcoin por benevolência, todos querem minerar a maior quantidade de maneira mais eficiente possível. Isso causou uma grande evolução nos equipamentos de mineração.
De laptops a supercomputadores
No começo, era possível minerar Bitcoin em um simples laptop com um Pentium 4 ou qualquer processador com mais de dois núcleos. Apenas curiosos e criptógrafos conseguiram minerar nos primeiros meses. O programa era um pouco inacessível para quem não entendia programação.
Minerar Bitcoin era para hobbystas, pois era difícil ganhar um dinheiro relevante para se viver exclusivamente disso. No entanto, o preço do Bitcoin foi subindo e atraindo mais pessoas interessadas, aumentando a competição da atividade. Com isso, algumas pessoas usavam computadores um pouco mais potentes.
Depois de usar processadores de computadores, os mineradores começaram a utilizar GPUs, ou Placas de Vídeo para minerar. Existe uma razão para isso: GPU é melhor para processar dados do que um processador de computador. A partir daí, o que era hobby ou “brincadeira”, passou a virar coisa séria.
A partir de junho de 2011, surgiram as primeiras placas FPGA (Field Programmable Gate Array), que consistiam em chips de processamento integrados em um circuito. A principal vantagem era o poder de processamento junto de um baixo custo de energia. Afinal, manter computador com placa de vídeo ligada custa dinheiro.
As FPGAs foram uma espécie de embrião de um circuito de chips que ficaram conhecidos como ASICs. Nesse momento, surgia uma preocupação em se tornar mais energeticamente eficiente frente aos possíveis concorrentes.
A mineração de FPGAs durou de 2011 até o final de 2012, que foi quando surgiram as primeiras máquinas ASICs da Avalon, Butterfly Labs e Cointerra. Elas eram ainda mais eficientes em processamento e gasto energético do que as FPGAs e as GPUs, que logo trataram de sair de cena.
Em 2013, o Bitcoin começaria um dos maiores ciclos de valorização de toda sua história. Começou o ano cotado a US$ 12 e terminou 2013 cotado em US$ 933, com uma valorização de 6987%. Essa corrida de preço atraiu muitos interessados, entre eles a Bitmain, a maior produtora de ASICs do mundo.
A industrialização da mineração
A Bitmain criou os melhores ASICs do mercado, sob o ponto de vista de gasto energético. A partir de 2013, principalmente depois do estouro da bolha no preço, o mercado de mineração se tornou ainda mais competitivo. As ASICs tomaram conta e surgiram as primeiras fazendas de mineração.
Alguns mineradores passaram a projetar plantas industriais para colocar em prática a mineração de Bitcoin. As máquinas precisam de espaço e principalmente refrigeração, pois esquentam muito. Sem uma refrigeração adequada, as ASICs poderiam explodir e causar um grande prejuízo para o produtor.
Com isso, a corrida não passou a ser mais para obter as melhores máquinas do mercado. Afinal, de nada vale ter o computador mais potente se você gasta muito mais do que arrecada com energia e refrigeração.
Agora a questão está na eficiência energética. Por isso, a mineração está saindo da China e indo para países que têm: energia barata e clima frio. Hoje, países como Sibéria, Canadá, Estados Unidos, Noruega e Islândia estão despontando com os locais favoritos dos mineradores.
O objetivo é simples: reduzir custos com energia elétrica e colocar a máquina para rodar pelo maior tempo possível. Com isso, o mercado se tornou extremamente competitivo na busca da eficiência.
O que assusta os mineradores de criptomoedas?
A competição sempre deixa qualquer um preocupado. E isso não é diferente no caso dos mineradores. O Bitcoin é limitado a 21 milhões de unidades, com uma quantia temporariamente fixa a ser emitida no bloco.
Para piorar, essa quantia diminui pela metade a cada 4 anos. Ou seja: menos Bitcoin para receber e maior competição assustam mineradores.
Esse grau de competitividade pode ser visto pela métrica Hashrate, que mede o poder computacional da rede. Quanto maior o Hashrate, maior o número de máquinas ligadas competindo para ganhar Bitcoins a cada 10 minutos. Por outro lado, quanto menor o Hash, menor será a competição.
Em suma, aumento de grau de competição com menor recompensa para os participantes é um dos maiores temores dos mineradores. É muito difícil competir em um mercado extremamente sofisticado e eficiente, de forma que apenas os melhores conseguem se manter em atividade.
A Teoria dos Jogos e a Mineração de Bitcoin
O mercado de mineração é uma representação perfeita da Teoria dos Jogos. Onde cada participante do mercado compete visando seu próprio interesse. A melhor maneira de explicar isso é através do famoso Dilema do Prisioneiro.
Suponha que você e seu comparsa tenham sido presos em um caso de corrupção. A polícia colocou ambos em celas separadas e propôs um acordo de delação premiada. Se você o delatar, ficará preso por 1 ano, caso seu amigo não o entregue.
Se ambos ficarem quietos, pegam 2 anos. Caso você não confesse e seu amigo te entregue, você ficará preso 10 anos, enquanto ele ficará preso por apenas 1 ano. Veja a dinâmica abaixo:
Agora fica o dilema: entregar ou não? Se vocês forem melhores amigos de infância, provavelmente poderiam confiar um no outro para ficarem quietos, o que seria o melhor resultado para todo mundo.
Mas como são apenas colegas de crime, não confiam um no outro. Pior, você ficará com medo de ser delatado e resolve delatar. No fim, se ambos confessarem o crime, pegarão 3 anos de prisão, o que seria um resultado pior, mas menos pior do que ficar preso 10 anos.
A mineração funciona de forma semelhante a Teoria dos Jogos. Quando a lucratividade da mineração está baixa ou negativa, ganha quem tiver mais caixa para segurar o período. Os mineradores ineficientes são expulsos do mercado e o Hashrate despenca, exatamente como aconteceu no ano de 2018.
Nesse caso, os mineradores ficam segurando uma operação não lucrativa com a expectativa de que seus concorrentes deixem o mercado. Caso essa competição se estenda por muito tempo, todos os mineradores poderiam quebrar, o que causaria uma grande queda de poder computacional da rede.
Nesses cenários de quebra, mineradores poderiam vender suas máquinas e seus Bitcoins em peso para mitigar os custos. Isso levaria a uma grande queda no preço. No entanto, essa hipótese não é um consenso.
Uma pesquisa do brasileiro Felipe Sant’anna mostra que os mineradores não influenciam tanto no preço do Bitcoin, porque o mercado já está altamente sofisticado e os mineradores não representam um grande peso no volume de negociação.
Não ao desperdício energético
O mercado se tornou tão competitivo, que desperdício de energia não é mais tolerável. Qualquer lugar que tenha energia sobrando, haverá algum minerador instalando alguma fazenda de mineração.
Em alguns casos, a mineração pode fazer uma forte sinergia com atividades que dependam do calor. Mineradores podem se reunir com produtores de outras atividades para rachar o custo energético e oferecer calor para quem precisa gastar com aquecedor, por exemplo.
No Canadá, alguns mineradores estão utilizando suas fazendas em conjunto com uma criação de peixes e plantas de outras culturas. Isso mostra que o mercado se adapta e cria novas soluções. O Bitcoin não desperdiça energia, ele otimiza o seu uso.
Qual é o futuro da mineração?
O halving e a limitação do Bitcoin são dois fatores que vão impactar bastante a mineração nos próximos anos. Lá por 2040, apenas um resíduo de Bitcoins restará para ser minerado, de forma que apenas os mais eficientes se manterão de pé. Mas, citando uma das minhas frases favoritas: “Nenhum rei governa para sempre”.
Ciclos de mercado no Bitcoin estão acontecendo, mineradores quebram e novos entram no jogo. As regras estão definidas, o jogo continua e entra quem quer. De certa forma, o Bitcoin é Antifrágil, ele estará lá, pessoas estarão dispostas a minerá-lo porque ele é raro.
Se a Bitmain quebrar amanhã, os impactos serão gigantescos, mas sempre haverá pessoas dispostas a explorar essas assimetrias.
Por isso, até o momento, ainda é impossível afirmar se a mineração se tornará uma atividade altamente concentrada no longo prazo, ou se os custos serão tão baixos de forma que cada pessoa poderá verificar as transações em casa, com uma máquina muito mais barata.
*Texto escrito por Lucas Bassotto e publicado originalmente pelo site Investificar.
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