A carta na manga da Coteminas na recuperação judicial: galpões para data center
A primeira versão do que deverá ser o plano de recuperação judicial para a Coteminas – empresa do setor têxtil, dona das marcas Santista, Artex e M.Martan e Casas Moysés – está praticamente pronta. E deve ser apresentada aos credores nesta quinta (26).
Os detalhes da proposta, uma espécie de ponto de partida para as negociações, ainda não foram divulgados. Mas o InvestNews apurou que o plano vai contemplar a venda de ativos como forma de levantar recursos para fazer frente à dívida, calculada em cerca de R$ 1,8 bilhão.
Antes mesmo que a lista do que a companhia está disposta a colocar à venda seja conhecida, o mercado já está de olho em uma espécie de joia da coroa: galpões localizados na região Nordeste, em pontos estratégicos, e que seriam transformados em data centers (espaços dedicados a hospedar servidores).
A Coteminas já havia colocado um desses imóveis à venda no fim de 2022. É um galpão localizado em São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, avaliado em R$ 429,7 milhões. Alguns interessados chegaram a aparecer, mas o negócio não foi fechado. Outros dois imóveis semelhantes estão chamando a atenção das empresas do setor: um em Macaíba, também no Rio Grande do Norte, e outro em João Pessoa, na Paraíba.
Os três ativos têm características interessantes para as empresas de data centers: ficam perto de cabos submarinos de internet (no caso, o Brazilian Festoon), de usinas termelétricas ou de subestações de energia. Essa combinação garante que o data center tenha o menor delay (atraso) possível e um backup (contingência) robusto de energia.
Mais importante: permite que o data center não dependa de uma distribuidora: a energia vem diretamente da geradora, o que significaria uma economia de até 25%, segundo estimativas de empresas que atuam nesse setor.
O InvestNews mostrou que o avanço de ferramentas de inteligência artificial e da computação em nuvem faz a busca por novos data centers disparar. E que o Brasil tem potencial para absorver parte da demanda crescente no mundo por essa demanda. Isso porque 85% da energia gerada no país vem de fontes renováveis. Como o crescimento de data centers deve ser mais rápido do que o avanço da infraestrutura de transmissão de energia, a localização é uma variável fundamental na definição desses projetos.
A venda desses imóveis da Coteminas, que hoje são utilizados como galpões logísticos, pode ser um caminho para a empresa levantar recursos para ajustar suas dívidas com os credores. “A empresa está muito endividada, mas tem muitos bens que podem ser virar dinheiro, se surgirem compradores”, define um analista que monitora a evolução da Coteminas, sob anonimato. “Isso dá uma perspectiva positiva em relação a uma solução para a empresa.”
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Endividamento
O último balanço que a Coteminas divulgou se refere ao terceiro trimestre do ano passado. Lá, a empresa relata que tem um total de R$ 1,847 bilhão em dívida bruta. Os dados só foram divulgados na quarta da semana passada (18). Ainda há, portanto, duas demonstrações financeiras atrasadas. E uma das condições para que a companhia consiga negociar com os credores é que todos esses resultados estejam publicados.
Foi uma dívida específica que deflagrou o pedido de recuperação judicial (RJ). Já em uma situação difícil de caixa, a Coteminas recorreu à gestora Farallon, especializada em empresas em dificuldade financeira, segmento chamado de “special situations“. Um dos fundos geridos pela Farallon, o Odernes, comprou em 2022 o equivalente a R$ 180 milhões em debêntures emitidas pela Ammo Varejo, empresa do grupo que cuida da operação das lojas das marcas Santista, Artex, M. Martan e Casas Moysés.
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Só que, no fim de 2023, a Coteminas não estava conseguindo cumprir alguns indicadores financeiros que eram estabelecidos no acordo com a Farallon. E a gestora decidiu executar a dívida. Como forma protetiva, a Coteminas decidiu fazer o pedido de recuperação judicial, aprovado em julho deste ano.
Na lista dos credores da Coteminas, aparecem 12 bancos, entre eles Bradesco, Banco do Brasil, Santander, Fibra, Daycoval, Pine e Sofisa, além de fornecedores. Todos terão que participar das negociações em torno do plano de RJ, que precisa ser aprovado pela maioria.
A Coteminas faz parte da holding Springs S/A, ambas em RJ. A empresa foi fundada em 1967 por José de Alencar, que foi vice-presidente da República entre 2003 e 2011, durante os governos Lula e início do de Dilma Rousseff. Ele morreu três meses depois de deixar o cargo. Nesse período, a companhia cresceu em tamanho e em diversificação: alcançou cerca de 70% do mercado têxtil, estreou no varejo com as marcas M.Martan e Casas Moysés, abriu o capital da Springs e deu um passo para a internacionalização, com a construção de uma fábrica na Argentina.
Apesar da expansão e da posição forte no mercado, a companhia começou a sentir, em 2008, os efeitos negativos da valorização do real, provocada por um movimento global de perda de valor do dólar, chamado à época de “guerra cambial”. Esse efeito do câmbio impactou as exportações da Coteminas, fonte importante de receita à época. Ao mesmo tempo, o avanço da concorrência chinesa, aqui e no mundo, teve efeito importante sobre o resultado da empresa têxtil.
No comando da Coteminas hoje está o filho de José de Alencar, Josué Gomes da Silva, atual presidente de Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que também foi cotado para ocupar a cadeira de ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior em 2022. A ele coube o desafio de gerir a pior crise da companhia, deflagrada pela pandemia e, na sequência, a alta dos juros. Esse cenário fez da Coteminas uma das muitas empresas que se alavancaram nos tempos de juros baixos e foram pegas no contrapé quando a política monetária começou a ser apertada.
Alguns meses antes de chegar à RJ, a empresa já vivia uma situação financeira crítica, com atrasos de pagamentos de fornecedores e funcionários. O cenário chegou a gerar um certo constrangimento ao empresário em sua posição à frente de uma das principais entidades empresariais do país.
Em maio, quando a empresa finalmente pediu a RJ, Josué tirou uma licença de 40 dias de seu cargo na entidade. E chegou a dizer que tentaria vender bens pessoais para fazer frente às pesadas dívidas da empresa.
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Josué sempre separou suas atividades na Fiesp de seu trabalho como empresário. Mas, em um evento realizado em julho pela entidade, acabou tendo que responder às indagações de jornalistas sobre a situação da empresa. Ele disse não ter dúvidas de que a situação da Coteminas é um reflexo das taxas de juros altas.
O presidente da Fiesp afirmou também que, com juros a 13,75% ao ano, nível o qual a Selic chegou em 2022 e permaneceu até meados do ano passado, e spreads na ordem de 6% a 7% ao ano, não há nenhuma atividade econômica que se pague. “Então era natural que se levasse a essa situação, que não é única”, afirmou Josué.
Encolhimento
A trajetória negativa da Coteminas está claramente refletida nas ações da Springs, que acumulam queda de 97,6% desde abril de 2021, data que marcou a derrocada do papel.
Com a crise instalada, alguns investidores de peso deixaram a empresa. Um deles é a Previ, que carregava papéis da Springs desde 1997. A posição do fundo, de 8,41%, foi encerrada no ano passado. O acionista de referência que permaneceu na Springs é a gestora Leblon Equities, com cerca de 9% da companhia. A gestora montou essa posição há onze anos, quando as ações da empresa já eram consideradas “descontadas” (com preços abaixo do potencial de valorização da companhia), e o mercado enxergava uma perspectiva de recuperação – o que acabou não se concretizando. (Colaborou Rikardy Tooge)