Como os 2 milhões de imigrantes brasileiros podem ser afetados se Trump voltar à Casa Branca
O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, Donald Trump, ressalta repetidamente que vai adotar medidas rígidas contra imigrantes em ações nas fronteiras e que pretende fazer deportações em massa – e tudo leva a crer que o foco dele é nos imigrantes ilegais. Mas a verdade é que o primeiro mandato de Trump, entre 2017 e 2020, teve mais impacto na vida de imigrantes que vivem legalmente nos Estados Unidos.
Um estudo do Cato Institute, organização que pesquisa políticas públicas, revela que durante os quatro anos em que Trump assumiu a Casa Branca, a imigração legal no país despencou 63%. No período, houve uma queda de cerca de 410 mil emissões de green cards e o número de vistos temporários foi reduzido em quase 12 milhões.
Na época, também foram afetados profissionais estrangeiros qualificados que aguardavam vistos de trabalho para atuar a convite de empresas americanas. Trump tentou ainda aumentar o preço do pedido de cidadania (hoje de US$ 710), além de tornar mais difícil e extenso o questionário exigido de candidatos. Nos dois casos, não teve sucesso.
O assunto da imigração pegou fogo esta semana nos Estados Unidos, depois de o humorista Tony Hinchcliffe tecer comentários negativos sobre a comunidade latina em geral em um comício de Trump em Nova York e ainda dizer que Porto Rico era uma “ilha flutuante de lixo no meio do oceano”. Porto Rico é um território americano e a menção nada honrosa levou à reação de imigrantes e descendentes. O presidente Joe Biden rebateu, sugerindo que os apoiadores de Trump é que eram lixo – a fala pegou mal e ele se retratou horas depois.
Como política afeta brasileiros
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil indica que cerca de 2 milhões de brasileiros vivem hoje nos Estados Unidos, espalhados por diversos estados. “Se Trump for eleito, voltaremos ao ‘clima do não’”, diz a advogada de imigração Sara Levin, à frente do escritório Levin Santalone LLP.
“No caso dos brasileiros, três situações são preocupantes”, alerta Sara. “A primeira é a instabilidade nas aprovações de vistos de trabalho e de turistas. Num governo desfavorável a não-cidadãos, as chances de aprovação ou reprovação de um visto ficam mais vulneráveis ao critério do funcionário responsável por cada caso”, explica.
A segunda questão, segundo a advogada, é a mudança de equipes ligadas ao Departamento de Estado, o setor governamental responsável pelos empregos nas embaixadas. No mandato de Trump, a saída de agentes seniores atrasou as emissões de vistos. E em terceiro lugar, Sara teme o aumento do racismo no país, problema que pode afetar os brasileiros.
A advogada diz que os vistos de estudantes usados por universitários brasileiros talvez não sejam muito afetados, mas seria preciso prestar atenção na possibilidade de um novo governo Trump alterar o visto Optional Practical Training (OPT), que permite que universitários estrangeiros trabalhem de um a três anos nos EUA depois de formados. Mudanças no OPT chegaram a figurar num projeto de lei durante os anos em que ele era presidente, entre 2017 e 2020.
Vistos profissionais
No mandato de Trump, profissionais estrangeiros especializados e com alta habilidade passaram por maus bocados para conseguir a aprovação de vistos como o H1-B – que permite ao estrangeiro trabalhar em uma empresa nos Estados Unidos. A cada ano fiscal, os EUA emitem uma cota de 65 mil H1-B e mais 20 mil para casos de profissionais com diplomas específicos. É uma espécie de loteria, aberta anualmente em abril.
No último ano, 470 mil profissionais competiram para os 85 mil vistos H1-B. O empregador precisa garantir que o salário do imigrante não seja inferior ao descrito na oferta de emprego, que o cargo exija um diploma universitário específico e que o candidato possua todos os requisitos acadêmicos.
Ao assumir o poder, o governo Trump tentou diminuir a cota anual dos vistos H1-B e aumentar o salário mínimo para US$ 110 mil, com objetivo de intimidar contratantes na busca por mão de obra estrangeira. Apesar de as propostas não terem sido implementadas, o número de petições de H1-B negadas decolou de 6% no ano fiscal de 2015 para 28% no ano fiscal de 2018. Em 2019, um ano antes da pandemia, 21% das petições foram rejeitadas.
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Além disso, dados apontam que, no período, cerca de 90% dos vistos da categoria L-1 requisitados na Índia foram negados. Esta categoria é concedida a profissionais transferidos do exterior para a mesma empresa nos EUA, os chamados expatriados.
“Os profissionais de nacionalidade indiana, por exemplo, foram alguns dos mais afetados por aquele governo. Eles são altamente requisitados pelo setor de tecnologia por possuírem diplomas e experiências ideais para vagas difíceis de serem preenchidas”, diz Sara.
Duas semanas após a posse de Trump, em 2017, funcionários do Google organizaram um protesto. Entre eles, o co-fundador Sergei Brin, imigrante da União Soviética, e o então CEO Sundar Pichai, nascido na Índia.
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Ações de Kamala para imigração
A campanha de Kamala Harris não tem uma retórica agressiva em relação aos imigrantes, ao contrário de seu oponente. No entanto, ela já deixou clara sua intenção de implementar uma postura mais rígida nas fronteiras e em outras frentes.
Apesar de a candidata democrata não ter especificado o que mudaria em relação aos vistos, ela sabe que terá de apertar os cintos: a imigração (legal e ilegal) atingiu o pico das últimas decadas no governo do atual presidente Joe Biden. O número de novos imigrantes triplicou em relação ao registrado no governo Trump e dobrou em comparação aos governos Barack Obama e George W. Bush.
No caso de brasileiros, um estudo da National Library of Medicine indica que 71% dos 2 milhões que vivem nos Estados Unidos não têm documentos, ou seja, estão ilegalmente no país.
Impacto da imigração
Para David Leonhardt, jornalista do New York Times, a fatia da população que mais sofre com o descontrole da imigração em massa são os trabalhadores americanos em regiões de baixa renda, que competem com imigrantes de baixa escolaridade – o movimento é responsável pela redução de padrão salarial e qualidade de vida dos residentes. Em muitos casos, os governos locais dessas regiões são forçados a acomodar crianças que não falam inglês em suas escolas e a prover serviços sociais e médicos a uma população maior do que a capacidade local.
No entanto, Leonhardt sublinha que os políticos de ambos partidos que tomam as decisões em Washington são profissionais diplomados em universidades, longe da realidade destes trabalhadores e mais longe ainda da opinião pública. São os trabalhadores americanos de baixa renda que, em sua maioria, apoiam o governo Trump quando o assunto é imigração.
O problema também é uma das fontes do crescente racismo que toma conta do país.
Ações contra imigração ilegal
Para os imigrantes ilegais – chamados de imigrantes não-documentados – o governo de Trump propõe ao menos seis mudanças relevantes na política atual, a começar pelo aumento de deportações anuais, cuja meta é superar um milhão de pessoas por ano.
Outra medida é contratar mais agentes de imigração e alfândega (conhecidos com ICE), alocando funcionários federais e a Guarda Nacional para controlar e até prender imigrantes. Na agenda de propostas, figura ainda a construção de campos para imigrantes detidos e que aguardam seus processos de deportação. Para isso, Trump destinaria fundos militares. Na pauta, ainda há o plano de enviar imigrantes da América Central em busca de asilo nos EUA para países africanos e outras regiões.
As propostas do candidato republicano incluem refugiados. Se eleito na votação de 5 de novembro, Trump pretende derrubar o programa de refugiados e ressuscitar sua medida que bane a entrada de visitantes no país vindos da maioria de países muçulmanos. Por fim, Trump almeja eliminar o direito de cidadania por nascença para bebês de pais indocumentados. Essas crianças, consequentemente, não teriam direito à seguridade social ou ao passaporte americano.
Em menos de uma semana, saberemos qual será o próximo capítulo.