Roleta solidária: o golpe disfarçado de ajuda que vem se espalhando pelo WhatsApp
Um golpe antigo voltou à tona durante a pandemia: a roleta solidária ou giro solidário. Nele, são aplicadas pequenas quantias em dinheiro com a promessa de multiplicar o valor. O esquema começa nas redes sociais e, após o participante ser atraído pela promessa de lucro alto, acaba entrando em um grupo do Whatsapp, onde prossegue o esquema.
No Facebook, mais de 2,8 mil pessoas participaram de um grupo, aberto ao público, no qual são oferecidas diferentes roletas. Em uma das primeiras mensagens, um dos participantes já tenta esclarecer:
“Não é golpe. Não é fraude. Não é roubo. É apenas um ajudando o outro. Todo mundo ganha dinheiro na roleta.” Em seguida, são oferecidos os planos. “Invista R$ 10,00, ganha R$ 80,00. Invista R$ 50,00, ganhe R$ 400,00. Invista R$ 130,00, ganhe R$ 1.000,00.”
O esquema é organizado em etapas, em uma espécie de mandala. Em um primeiro momento, os iniciantes apenas doam dinheiro – os valores são variados e as contas para depósito são compartilhadas no WhatsApp. Em seguida, eles têm que convidar pessoas para participar e, consequentemente, movimentar o esquema.
Uma vítima de Laguna, em Santa Catarina chegou a indicar mais de 500 pessoas, segundo a Polícia Civil. Os próximos dois passos são “ensinar e esperar” e “receber e motivar”.
Cada etapa pode também ser representada por cores e agrupar um número específico de pessoas. A borda mais externa é indicada pela cor vermelha e reúne oito pessoas. A segunda camada é cinza e tem quatro pessoas. Na etapa seguinte, a marrom, estão dois participantes. A última é azul e fica no meio da mandala, só contendo uma pessoa.
Ou seja, para cada oito participantes doadores, apenas um vai receber. Ou seja, se cada um der R$ 50, a pessoa que está no centro da mandala acaba recebendo R$ 400. Quem já caiu no golpe garante que a última fase acaba não acontecendo.
Após o participante receber os R$ 400, ele deixa a roleta e, dependendo do grupo, pode voltar como iniciante – na parte vermelha do círculo. Com a saída dessa pessoa, o lugar ao centro fica vago e, um dos participantes da porção marrom avança para o centro. Aqui a proporção é uma vaga para duas pessoas.
Entretanto, é mais difícil avançar da vermelha para a cinza, por exemplo. São oito pessoas disputando uma vaga. Isso ajuda a explicar a necessidade das indicações.
Conforme o advogado e especialista em crimes cibernéticos Fernando Peres, o golpe é semelhante a uma prática antiga, de envio de dinheiro por cartas para pessoas desconhecidas – que ficou popular no Brasil entre os anos de 1990 e 2000. Nele, era preciso enviar pequenos valores para cinco pessoas. Agora, ao invés das cartas, o golpe funciona pela internet.
Apesar da promessa, a roleta solidária é, na verdade, uma pirâmide financeira. “Quando se solicita algum tipo de bem, normalmente dinheiro, em benefício da promessa de recebimento se configura como uma pirâmide. Você vai depositar dinheiro e alguém faz a promessa de devolver na frente essa dinheiro com o rendimento”, observa Peres.
A roleta solidária tem atraído muita gente pela aparente simplicidade e pelo discurso da “ajuda mútua”. “Existe ganância e é muito atraente, parece ser muito fácil”, observa o advogado. Quem já caiu no golpe, depara-se com outra situação. Devido ao baixo valor perdido, não compensa para o lesado entrar com uma ação judicial contra os golpistas.
Por isso, a recomendação é procurar a polícia e registrar um boletim de ocorrência. Há menos de um mês, Peres foi procurado por uma senhora de Curitiba que doou R$ 50 e acabou não vendo mais a cor do dinheiro. Para ela, foi indicado procurar a polícia.
Quem convida novos participantes também comete crime? Em tese, não. Segundo Peres, pode ser considerado crime quando se propaga a roleta solidária e se sabe que aquilo é fraudulento. Neste caso, enquadra-se como estelionato, o famoso artigo 171 do Código Penal. Segundo a legislação, a pena varia de um a cinco anos de prisão, mais o pagamento de multa. A pena pode dobrar caso o crime for cometido contra idoso.
Vergonha das vítimas
Para uma mulher de 53 anos, que pediu para não ser identificada, o ingresso na roleta solidária ocorreu após receber uma mensagem de uma amiga. “Como acreditava ser uma pessoa confiável eu li e acreditei na mensagem. Depois conversando com ela me disse que havia recebido essa mensagem de uma outra pessoa que ela disse que também era conhecida.”
Moradora de Curitiba, ela depositou R$ 99 em uma conta, que constava em uma lista, com a promessa de receber R$ 1 mil. Mas após três semanas, o dinheiro acabou não entrando e ela passou a desconfiar.
“Eu recebo muitas mensagens inúteis, e a maioria das vezes não dou bola. Mas como essa mensagem veio de uma pessoa confiável eu prestei mais atenção. Quando recebi essa mensagem eu acreditei se tratar de algo verdadeiro.”
Ela deveria encaminhar a mensagem para no mínimo dez pessoas e receber o valor em duas semanas, o que não aconteceu. Envergonhada, ela deixou de registrou ocorrência e não contou nada para a família.
“Eu fiquei com muita vergonha, principalmente da minha família e das duas pessoas que eu enviei a mensagem, pois eu nunca envio esse tipo de mensagem. Fiquei com tanta vergonha que eu nem contei para eles”.
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