Mais detalhes sobre o Dólar Digital
Quem acompanhou os trabalhos do congresso americano no ano passado viu uma resistência à ideia de “dólar digital”. Mas nada como uma crise para acelerar a inovação.
Esta semana, os dois pacotes econômicos de emergência para enfrentar o Covid-19 faziam referência ao sistema de moeda digital. A menção foi logo retirada pelo legislador. Mas o interesse pelo dólar digital foi recebida com empolgação pelo consórcio blockchain Hyperledger.
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O que é o eThaler?
Apelidado eThaler o projeto usa a rede blockchain da Ethereum onde pode criar moeda digital para governos, a Moeda Digital do Banco Central (CBDC). Concebido pela primeira vez há seis meses, o nome vem da moeda de prata usada na Europa há centenas de anos, da qual a palavra “dólar” se origina.
Como o Bitcoin, o eThaler também é divisível em unidades menores e, portanto, é adequado para micropagamentos. Mas a característica principal é a segurança. Uma carteira com dinheiro digital emitida por banco central remove o risco que existe quando bancos menores funcionam como atravessadores.
Depósitos e transferências: coisa do passado?
Enquanto isso o congresso americano aprovava a lei que vai injetar trilhões de dólares na economia. Tratam-se de pagamentos a “consumidores, estados, empresas e populações vulneráveis durante a emergência do COVID-19”.
O conceito de dólar digital poderia permitir que o Federal Reserve, o banco central americano fosse capaz de enviar o dinheiro do estímulo diretamente para cada indivíduo. Mas ao invés disso o dinheiro será depositado em bancos tradicionais que fariam a distribuição. Isso vai demorar semanas, e já tem muita gente sem emprego e sem dinheiro!
Inspirado no bitcoin e na tecnologia blockchain que permite a transferência de valores sem intermediários, o conceito vinha percorrendo bastidores há meses. Milhões de pessoas em todo o mundo passaram a considerar a novidade e como a tecnologia vai impactar suas vidas.
Para a maioria das pessoas as criptomoedas e as aplicações blockchain ainda são teoria. Mas o uso de dólares digitais seria um exemplo claro e com benefícios mais que práticos.
Depois da tempestade …
No momento da publicação se estimam que mais de 21.000 pessoas tenham falecido devido ao COVID-19 ao redor do mundo. Mais de 40% da população mundial vive em “toque de recolher” sem sair de casa (3.2 bilhões de pessoas) e o impacto na economia já contabiliza bilhões de dólares em prejuízo.
Uma menção assim tão relevante numa sessão do congresso sobre a emissão de dólares digitais pelo Fed significa que uma das maiores economias do mundo entrou oficialmente numa corrida acirrada. Vários projetos junto a bancos centrais ao redor do mundo já tomam corpo, inclusive no Brasil.
Vipin Bharathan, presidente do grupo de trabalho na Hyperledger, e um ex-desenvolvedor sênior do JP Morgan Chase declarou:
“Esse é um passo significativo, e eu sustento que essas situações de crise sempre produzem novas idéias e aceitação de novas idéias, que permanecerão por muito tempo depois que o coronavírus tiver deixado o rastro de destruição ao redor do mundo”.
Outro projeto de lei, oferecido pela democrata da Califórnia e presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, originalmente também incluía a linguagem do “dólar digital”. Mas a menção foi retirada logo depois que começou a circular nas reportagens da mídia.
Revivendo o passado
Concebido pela primeira vez no início deste ano, o nome eThaler, vem de Thaler, cuja pronúncia (/dâler/) evoluiu e se transformou na palavra “dólar”. O Thaler era uma moeda de prata usada em toda a Europa há centenas de anos.
Havia até uma versão com a cruz de Felipe II, rei da Espanha (acima), no período da Holanda-espanhola: o “Daalder”. Muitos acreditam que nessa ocasião bulhões espanhóis inumdaram o velho continente com prata proveniente da América Inca.
O atual sistema de emissão da moeda digital, nada mais que um token, obedecerá à iniciativa Token Taxonomy Framework: padrões técnicos para empresas que usam ethereum. Essas especificações foram criadas por várias instituições, como JPMorgan Chase, ConsenSys e outros membros da “Enterprise Ethereum Alliance” em abril de 2019.
O grupo, chamado informalmente eThaler Labs, está desenvolvendo o Hyperledger Besu, uma versão corporativa do ethereum encaminhada pela PegaSys (parte da ConsenSys) à Hyperledger. Essa diretiva foi aprovado em agosto passado.
Principais características
Em primeiro lugar, o eThaler está sendo projetado para ser fungível, ou seja, independentemente de qual banco central possa acabar cunhando sua moeda usando a tecnologia, cada token terá o mesmo valor do ativo que representa. Como a moeda fiduciária tradicional, qualquer suprimento inicial de tokens baseados no eThaler precisaria ser aumentado através de cunhagem adicional pelo banco central. O contrário também seria igualmente restrito, ou seja, a moeda seria destruída por meio de um processo próprio de “incineração” digital.
Mas, assim como o bitcoin, o eThaler também seria capaz de ser dividido em quantas casas decimais o banco determinar: um componente crucial para os chamados micropagamentos, aquelas pequenas transações online que atualmente não são viáveis com moedas fiduciárias.
Por fim, e talvez o mais controverso: o ativo seria “pausável” caso seja descoberto um bug no software ou uma atualização esteja sendo implementada.
A parte mais importante sobre tudo isso é o papel dos bancos na decisão de design. Bharathan mostrou que o eThaler poderia ser implementado como uma solução de atacado, ou seja só seria emitido para instituições com contas no Fed e poderia ser usado para mover instantaneamente grandes valores diretamente de uma instituição para outra, sem a necessidade de passar pelo próprio banco central americano.
E para o varejo, a moeda digital funcionaria como dinheiro, e poderia ser disseminada de um banco central diretamente para o povo.
Outro lado da moeda … digital.
No entanto, nada disso é garantido. Os desconfiados vêm expressando dúvidas sobre a ideia de uma moeda digital faz tempo. Por outro lado, os puritanos do bitcoin também argumentam que o próprio banco central já é um intermediário e que a tecnologia blockchain torna essa função obsoleta e desnecessária.
Já os tradicionalistas apontam que a grande maioria da moeda em circulação já é digital, sem necessidade da estrutura autônoma e descentralizada oferecida pelas redes blockchain.
Além disso o projeto eThaler está entre os mais jovens do espaço. Talvez a organização mais prolífica no crescente espaço do dólar digital seja o R3 de Nova York, que é financiado por um capital de risco que soma US $ 120 milhões e pertence aos grandes bancos e instituições.
O R3 já está em estágios avançados de desenvolvimento com quatro moedas diferentes. O Banco Nacional Suíço explora uma moeda digital do banco central para liquidação; o Banco da Tailândia para liquidação interbancária; O Riksbank da Suécia trabalha numa versão digital da coroa sueca; e o Banco Central Europeu para explorar CBDCs na Europa.
Quem mais?
O Brasil também está na vanguarda com o projeto que inclui a empresa de consultoria Accenture e InfoSys junto com o Banco Itaú no Brasil.
E lógico: “a China faz isso há quatro anos”, diz Bharathan. De fato, o governo chinês vem trabalhando na escuridão com o seu próprio CBDC. Exatamente o aspecto secreto do projeto financiado pelo Partido Comunista Chinês pode ter despertado o interesse do congresso americano por dólares digitais.
Em junho de 2019, o Facebook revelou seus próprios planos para ajudar a lançar uma “stablecoin” apoiada por uma cesta de moedas globais, e projetada para facilitar a inclusão dos chamados sem-banco ao comércio global. As notícias devem ter acelerado os planos da China criando comparações entre o CBDC da China e o stablecoin do Facebook.
A competição é tão séria que, em janeiro, o ex-presidente da CFTC, Christopher Giancarlo, co-lançou o Digital Dollar Project com a consultoria Accenture especificamente para defender a criação de um dólar digital americano.
Motivação e incentivos
À medida que os mundo da moeda fiduciária e das criptomoedas se aproximam cada vez mais, não é a moeda em si que mais chama a atenção. A maior oportunidade é para as carteiras inteligentes que armazenam a moeda, e que podem ser programada para executar automaticamente qualquer número de tarefas.
A ideia por trás desses contratos inteligentes em forma de eWallet inclui desde mover fundos para uma conta poupança, investir ou tomar conhecimento de alterações nas regras tributárias, pagamento de contas, etc. E não apenas para indivíduos, mas também para instituições.
Quem acreditou no altruísmo dos governos e bancos centrais esqueceu que a tributação junto com o recolhimento de impostos é o maior desafio que a classe política enfrenta com a internet de terceira geração.
Nas próximas semanas, espera-se que a estrutura do projeto seja lançada em código aberto, o que significa que qualquer pessoa poderá construir usando a tecnologia, e sem pagar por isso.
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